Eva Wilma comenta a tecnologia de criogenia abordada em O Tempo Não Para: “O tema é ousado!”

Publicado em 19/07/2018

A partir do dia 31 de julho, Eva Wilma viverá Petra em O Tempo Não Para, nova novela das 19h da Globo. Audaciosa cientista especializada em criogenia, estudo de baixas temperaturas, ela verá seus olhos brilharem ao saber que um imenso bloco de gelo com 13 pessoas foi descoberto na praia do Guarujá, em São Paulo.

Essas figuras vieram diretamente do período monárquico brasileiro de 1886 – século XIX. E foram congeladas após o imponente navio Albatroz chocar-se em um iceberg e naufragar na região da Patagônia. Contudo, as histórias que podem estar por trás dos corpos congelados é o que menos importa para Petra. Sem limites e tão pouco ética, ela quer mesmo é usá-los em estudos que contribuam para o avanço da ciência.

Em uma conversa com o Observatório da Televisão, Eva Wilma descreveu sua personagem e falou sobre os 65 anos de carreira. A atriz também opinou sobre a proposta do autor, Mário Teixeira, de mesclar assuntos científicos com o humor que uma novela das 19h exige. Confira o bate-papo:

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Eva Wilma fala sobre Petra, sua personagem

Como a Petra pode ser descrita? Com ela não há limites quando o assunto é conhecimento e vai querer a todo custo ficar com os congelados, né?

Você está me contanto (risos). Na verdade, o autor e o diretor que deveriam estar aqui conversando. Quando li a proposta, eu ache muito interessante. É um termo racional, dificílimo com termos científicos e perder o humor. É parecido com Os Experientes que eu acabei de fazer, onde o autor colocou frases Shakespeariana em todos os personagens. Então, dizer isso coloquialmente é difícil e a mesma coisa está acontecendo aqui. Tem termos científicos dificílimos, complicados, temos que dizê-los como quem entende disso e ter o bom humor com isso.

As novelas das sete são conhecidas por ter uma dose cômica. A Petra vai ter essa característica?

Quando todos nós do elenco conversamos, o que é muito bom porque nos entrosamos, eu falei que é muito saboroso para o ator isso de falar seriamente sem perder o humor, sem perder o tom brincalhão. Eu acho que é uma participação oportunidade, um desafio fazer uma médica cientista. Eu só me lembro de médicas do programa Mulher, durante dois anos. Ao lado da minha querida Patrícia Pillar a gente se esbaldou. Médicos cientistas são sempre difíceis porque são pessoas que você tem que conhecer profundamente, levar a sério e no horário das sete não perder o tom brincalhão.

A proposta de trazer a tecnologia da criogenia pode confundir o público das novelas das sete que, normalmente, está acostumado com assuntos mais simples e direto?

Nós estamos bem curiosos para ver a reação do público e vamos fazer de tudo para que ele goste. O tema é ousado! Essa é a palavra certa e eu acho que é bom ousar mesmo. No nosso campo de trabalho, nós atores, diretores, artistas em geral, temos que aprender a ousar sempre e cada vez mais.

Novo formato de novelas

Analisando essa originalidade que a novela traz. A senhora acha que o público pode ter mudado junto com esse novo modo de fazer novela?

Eu acho que, sobretudo, a própria TV evoluiu colocando no ar vários produtos menores. Várias mininovelas, como foi o caso de Verdades Secretas, que abriu esse espaço. Vários seriados, séries, isso é uma ousadia também e está correto. Eu acho que é seguindo o que acontece no mundo todo. A obra da novela muito contínua está começando a exigir que a gente condense mais a história.

Em breve, a novela A Indomada será reprisada no canal Viva. Como foi dar vida a beata Maria Altiva?

Eu estava esperando que isso acontecesse. Foi muito prazeroso fazer. O autor, o Agnaldo, é cheíssimo de ousadia, de humor e etc. Veio com a ideia dele de caçoar do anglicismo nordestino. O Marcos Paulo foi um diretor adorável. Ele conhecia profundamente o ator porque ele mesmo era um grande ator, e ser dirigida por ele foi um prazer que não dá nem para descrever de tão grande. Não só ele como todo o elenco: Adriana Esteves (Lúcia Helena), Claudio Marzo (Pedro Afonso), Ary Fontoura (Pitágoras). Eu adorava brincar com o Doutor Pitágoras. Enfim, é muito humor do próprio realismo fantástico, que é o que chamam. Mas, sobretudo, é um crítica bem-humorada do anglicismo nordestino.

Entre os novos rostos da nossa teledramaturgia, o público está vendo grandes atores como a senhora, Fernanda Montenegro e Lima Duarte fazendo sucesso de novo nas novelas. Ao que a senhora atribui isso?

Eu acho que está correto. Eu acho que no mundo inteiro, os atores que continuam atuantes podem fazer um bom trabalho junto com todos os jovens. Tem espaço no mundo todo para atores veteranos.

Racismo no Brasil

O Tempo Não Para é uma trama que vai falar sobre escravidão, fazendo uma reflexão sobre a realidade atual e com a do século XIX. A senhora acredita que o racismo acabou no Brasil?

Não! Nem no Brasil, nem no mundo todo. Isso não vai acabar nunca porque depende da cabeça das pessoas. No dia que tivermos escolas gratuitas e especial para todo mundo possa ser que diminuía, porque aí as cabeças se abrem. Escola e saúde, essas são as duas coisas que nós temos que batalhar. Eu acho que é um momento oportuno porque nós vamos votar, então temos que olhar muito bem quem defende essa tese da escola e saúde. Tudo isso tem a ver com cultura e cabeça aberta, em você flagrar quando existir racismo dentro de você mesmo.

Por isso que está na hora de aprender votar. É um momento muito oportuno, propício e importante para que todo mundo raciocine profundamente. O brasileirismo que foi estimulado pela Copa de futebol, agora tem que vir com todo vapor pela consciência política e pela consciência do voto em função de tudo isso que eu coloco, a diminuição da diferença social.  Escola para todos é que vai proporcionar isso e saúde também.

Choque com o Brasil atual

A novela vai mostrar um choque cultural e de mentalidade quando os personagens forem descongelados. Alguma coisa te choca nessa sociedade em que vivemos?

Muitas. Não sei especificar no momento, daqui a pouco virá na cabeça. A gente vê certos absurdos. No momento em que você batalha por saúde, hospitais para todo mundo, de repente você vê um hospital sofisticadíssimo, com grandes evoluções. Aliás, é uma coisa que essa novela coloca em discussão.

Em o Tempo Não Para, Petra é uma médica cientista que entende de tecnologia. Na vida real, a senhora também lida bem com tecnologia?

Eu chego a enlouquecer (risos). Eu preciso me policiar muito porque senão eu fico no WhatsApp e no Facebook fascinada. A gente pega coisas tão maravilhosas, por exemplo: as palestras e os bate-papos que eu pego do Ariano Suassuna são para mim um estímulo, uma inspiração, uma coisa muito maravilhosa. Então essa vantagem existe. Eu posso participar de palestras do Ariano Suassuna e me esbaldar com isso e aprender muito com isso. Tem alguns senadores também, são poucos, mas existem uns que me fascinam.

Assédio do público

A senhora é uma atriz com um currículo extenso e cheio de personagens inesquecíveis. Como lidar com o assédio do público?

Recentemente, eu ousei a voltar para uma representação musical. A minha formação de atriz foi como cantar, dançar e representar. Aprendi a cantar com Inezita Barroso. E nessa representação, eu aproveitei o fato de que meu filho é músico e foi participando da luta dele que me encaixei nisso. Tive o prazer de retomar aulas de canto e nós desenvolvemos um trabalho gostoso. Eu voltei a estudar bastante.

Eu sempre digo que o ator, aliás, isso é para qualquer carreira e profissão, tem que evoluir a vida inteira. O tal do assédio, eu falo no espetáculo da representação, é muito difícil lidar com isso. É uma das coisas mais difíceis que tem, porém você precisa prestar atenção porque é para esse público que você faz o trabalho. É para esse público que eu estou me doando. Então se vem um tipo de assédio é preciso lidar com isso. Jamais agredir!

Cobrança do público

O público te cobra quando some da TV? Pede a sua volta?

Claro, claro! A televisão é uma janela para o mundo. Eu sempre digo que uma coisa interessante é que o povo todinho adora teatro. Tanto que quando temos a oportunidade de levar (um espetáculo), por exemplo, em São Paulo para o CEU, Centro Educacional Unificado, com uma entrada gratuita o público superlota. Dá volta no quarteirão.  E por que eu estou falando disso? Porque eu sempre disse que gosto de televisão, a velocidade não deixa de ser uma história. Eu gosto de trabalho no cinema, onde eu queria homenagear Roberto Farias. O primeiro grande filme dele, que foi Cidade Ameaçada, me levou à Europa para a Semana de Filme Brasileiro em Roma.

Enfim, eu gosto de ser atriz nesses três veículos, mas a escolha do ator está no espaço cênico livre, ao vivo e de corpo inteiro. Eu preciso voltar à escola esporadicamente. É um tempo meu, eu descubro. Eu penso assim: ‘aí meu Deus, estou começando a cristalizar o meu trabalho. Eu preciso evoluir de novo’. Então, por exemplo, essa personagem (Petra) é uma evolução. Não está no espaço cênico livre, mas está na janela para o mundo que é a televisão.

E como é contracenar com a nova geração de atores?

A gente fica contente quando consegue um espaço porque são muitos talentos. É só ir nas raras e boas escolas de teatro de arte dramática que encontra grandes talentos. Agora, conseguir entrar, principalmente na janela para o mundo (TV), é uma chance única e maravilhosa. Então a gente fica fascinado, eu fico contente. Queria que mais jovens tivessem essa chance.

65 anos de carreira

Quantos anos de carreira a senhora está completando?

Eu estou comemorando 65 anos de carreira e no fim do ano 85 de idade. E eu jamais vou perder o prazer do meu trabalho, do meu ofício de ser atriz e de defender a cultura. Recentemente, na comemoração dos 50 anos daqueles momentos difíceis, publicaram novamente aquela foto emblemática de nós mulheres todas de mãos dadas. Aliás, nossos líderes na época, Dias Gomes, Flávio Rangel, Ferreira Gullar, enfim… nem sei mais porque estou falando isso (risos). São 64 anos de exercício do meu ofício. Às vezes, eu mesma fico até assustada, falo assim: ‘preciso parar e meu renovar’.

A senhora se sente abençoada ter uma carreira de mais seis décadas em um país que não valoriza a arte?

É como eu citei, o povo adora teatro, é só levar. É um povo que não tem poder aquisitivo nem para ir ao cinema quanto mais ao teatro. E quando você tem a oportunidade de levar o espetáculo para outros lugares e levar dessa maneira como acontece no CEU, em São Paulo, o público fica maravilhado, agradecido, vibra com a gente e nós mais ainda com o público. Essa é a função da arte, chegar ao grande público.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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