Durante o processo de criação de Clara, Bianca Bin descobriu nódulo na tireoide: “O corpo não entende que é atuação”

Publicado em 15/01/2018

Diariamente cerca de 26 milhões de pessoas em todo o Brasil sintonizam suas TVs em O Outro Lado do Paraíso, para acompanhar a vingança de Clara (Bianca Bin) contra seus inimigos, que no passado a roubaram e fizeram-na ser internada por dez anos em um hospício. A mocinha, que ficou milionária, ganhou o carinho e torcida dos telespectadores da trama de Walcyr Carrasco. Bianca Bin, sua intérprete, conversou com o Observatório da Televisão e falou sobre a repercussão da novela, os relatos que recebeu de mulheres que tal qual sua personagem, foram vítimas de violência doméstica, e sobre o nódulo que descobriu antes do início das gravações. Confira o bate papo completo:

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Como está sendo para você fazer esse trabalho?

“Esse trabalho está tudo muito incrível, tanto para a Clara, como para mim.”

A cena em que a Clara foi jogada no mar foi muito difíceis de fazer?

“As cenas foram muito emocionantes para a personagem e para mim também. Sou uma pessoa que sofre de claustrofobia e tenho fobia de água também, então, estou vencendo os meus medos para gravar essas sequências, que foram pesadas e exigiram muito de mim. Foram dias intensos e inteiros de gravação.  A gente se dispõe a isso, a chegar nesses limites. Falamos para o nosso corpo: ‘Aguenta aí, que vou ali e já volto’. É isso!”

E essa volta dela que todo mundo esperou tanto. Como foi para você?

“Você viu que volta triunfal? Para mim, foi maravilhoso! Estou amando essa volta da Clara poderosa, e justiceira, muito mais que vingativa. Estou amando fazer.”

O que você acha da questão da vingança? 

“Eu acho que mais que vingança, ela voltou para buscar justiça. Num país em que a justiça anda tão deficiente, a gente buscar isso com nossas próprias mãos é triste, uma descrença, mas ela sabe que bem que não pode esperar da Justiça em si, e corre atrás de sua própria justiça, em busca da verdade. A vingança contra o Samuel (Eriberto Leão) por exemplo, foi libertadora para ele, que pôde se assumir, ouvir da mãe que ela o ama independente de qualquer coisa e sabe-se lá as surpresas que o Walcyr está reservando. Foi uma vingança que veio para libertá-lo, e libertar principalmente as mulheres que estavam em torno do personagem, como a mãe, e a esposa.  A Clara tem muita empatia com elas, e sofreu tanto quanto aquela mãe vendo o filho de calcinha. Então, tem essa empatia, e humanização. Não é uma vingança pura, senão fica raso, é algo mais profundo, com senso de justiça.”

No início da trama, a Clara era vítima de violência doméstica. Muitas mulheres são julgadas por viverem isso, e para aqueles que estão em torno, fica a sensação de que elas não querem sair desse ciclo…

“Essas mulheres que sofrem em relacionamentos abusivos demoram a se dar conta que estão vivendo isso. Têm tantas coisas que envolvem a situação, que a pessoa tem vergonha e medo de denunciar. Eu acho que com essa história, o Waclyr conseguiu mostrar a teia emocional que a mulher fica presa quando está envolvida numa relação abusiva, violenta. O que a gente não deve fazer é julgar, e sim, acolher cada vez mais essas mulheres. Dizer: ‘Você não está só, busque ajuda’. É importante fazer a denúncia e cobrar do estado medidas protetivas eficazes. Eu não aguento mais ler nos jornais sobre mulheres que denunciam seus agressores e depois são assassinadas pelos mesmos. Essa lei precisa funcionar. Esses agressores não podem ficar nas ruas, e sim ficar presos, se regenerar para voltar a conviver em sociedade. O feminicídio acontece em número alarmante em nosso país e precisamos mudar isso, lutar contra isso diariamente, do micro ao macro. Desde a piadinha machista até a agressão. “

Gael, Renato ou Patrick?

“Posso escolher como Bianca; ou é a Clara quem escolhe? Essa menina está sempre bem dividida, sempre tem dois pelo menos dividindo sua atenção. O Renato está dando provas de que ela pode voltar a confiar nele. Foi tudo um grande engano, e ele não sabia que o caixão seria jogado no mar, já o Patrick é a segurança, um irmão. Quem não quer ter um advogado na vida para resolver os problemas? O Patrick traz essa segurança, que a Clara associa a irmandade e diz: ‘Você é um irmão para mim’, porque não tem sexo, quer dizer, até agora não teve, mas rola uma atração, por empatia também, cumplicidade, porque ele é muito cumplice dela, se dispôs a ajuda-la, e desde sempre acreditou nela e no desejo da tia em ajudar essa menina. Desde sempre foi aberto e acolhedor. É difícil ela voltar a se relacionar com homens, porque ela tem um pé atrás com todos eles, o que dificulta para fazer as cenas de romance, porque a personagem ainda está fechada, com o coração fechado, e não quer saber de homem agora, quer recuperar o filho e ser feliz, mas tem esses meninos lindos no meio do caminho.”

A Oprah no discurso do Globo de Ouro falou sobre preconceito, e Hack Taylor, mulher que foi estuprada. Tudo isso está atrelado no texto do Walcyr, né?

“É uma honra para mim carregar uma história tão bonita e tão real como a da Clara. Estamos vivendo uma primavera feminista, e não vamos mais nos calar. O momento de fala agora é nosso, da mulherada, e não só na novela do Walcyr. Esse problema é uma doença social que envolve o mundo todo. Acho que a gente está unida cada vez mais, buscando força uma na outra.”

Qual o retorno você recebe das pessoas?

“A novela é um sucesso, as pessoas conhecem a história e torcem pela Clara. Muitas mulheres que foram vítimas de violência se encontraram comigo e contaram histórias, abrem o coração relatando o que passaram, de forma tão generosa e amorosa. É de uma generosidade, sabe, que eu digo: ‘Irmã, obrigada, você me trouxe força’. É isso.”

Houve alguma história que você ficou mais tocada?

“São muitas. Quando me falam: ‘eu apanhava’, eu pergunto: ‘Mas muito?’, e a última me respondeu: ‘Ele quebrou meu maxilar’ (emocionada). Então, é uma violência para mim, ainda muito chocante. Eu Bianca, graças a Deus, nunca passei perto disso, e espero nunca passar. A nossa função (na novela) é muito social também, de informar essas mulheres, até mesmo o que é a violência, porque começa pequeno. Tem que ficar atenta e a mulherada precisa confiar em si mesmo e fortalecer a intuição.”

Às vezes o machismo ocorre dentro da própria família, quando o menino pode fazer tudo e a menina não, apenas por ser menina…

“Eu vivi isso. Tive uma criação muito machista. Sou do interior de São Paulo, de uma família muito religiosa, e tradicional. Meu irmão sempre saiu e não precisava dar satisfação da hora que voltava, ou onde ia. Já eu, além de ser a mais nova, era a menina, então, eu tinha hora para voltar, tinha que falar onde estava, com quem estava, e se demorasse, tinha controle maior, e eu via essa diferença.”

Recentemente você falou sobre o coletor menstrual. Isso é um hábito? Isso gerou uma discussão enorme…

“A lua movimenta a água, as marés e nosso corpo também é formado de água, então, a lua mexe com a gente. Eu nem chamo mais de menstruação, e, sim, de lunação, porque é um movimento interno gigantesco, muda humor, muda o corpo, muda tudo. O coletor menstrual foi algo que descobri com uma amiga há mais de um ano e foi maravilhoso para mim, primeiro, porque a gente não produz lixo, a gente conhece melhor nosso corpo, porque tem mês que a gente sangra menos, tem mês que a gente sangra mais, e ali dá para ver certinha a quantidade. A gente entende que nosso sangue não fede, o que fede é o contato dele com o oxigênio, algodão, absorvente. O coletor é mais higiênico, pode ficar dentro de você até 8 horas, sem ter que tirar, sem ter que trocar, é muito mais prático. Eu planto realmente a minha lua e não tenho vergonha nenhuma de falar disso, acho que as mulheres têm que curar essa relação com o feminino, esse sagrado. Meu corpo é sagrado para mim, e ele conversa comigo. Quanto mais conectada eu tiver com esse meu ciclo – porque a vida é cíclica assim como as fases da lua -, com meu biorritmo, com meu eu interior, eu fico mais equilibrada. Entendo que a TPM, que a gente chama de ‘Força Pré Menstrual’, ou de ‘Pulsão Pré Menstrual’, é quando nossas sombras emergem, vem todas para a superfície e a gente encara elas e aprende a lidar. Se conhecendo, se ouvindo. Acredito nessa intuição que todas nós mulheres temos. Precisamos curar, homens e mulheres, nossa relação com o feminino que é a grande mãe, nossa relação com nós mesmos, com o planeta. As pessoas estão destilando ódio.”

Você acha que a vingança, tema da novela, pode ter seu lado positivo?

“A vingança vem como uma capa que reproduz a mudança interna que é maior que esse cabelo e roupa. A Clara volta outra, amputada. Uma história que ela viveu de um filho que foi arrancado dela por dez anos, que ela não pôde vivenciar uma série de coisas ao lado dele, como o primeiro passo, a primeira palavra, e mesmo que ela tenha outro filho, será uma nova história, ninguém vai devolver o tempo perdido a essa mulher. Ela não é mais a mesma e nunca mais será, mas essa transformação é linda de se ver.”

O que pesa mais, a dor ou a vingança?

“A dor não pode ser encarada de forma rasa, fútil. Eu vou me vingar porque preciso mostrar que não é justo e não é correto o que me fizeram. É mais um senso de justiça, que vingança.”

Ontem, eu assisti novamente ao primeiro capítulo da novela, e é visível como a personagem mudou. Ela começou uma caipira, que tinha uma certa inocência e agora é uma mulher forte. Como foram essas mudanças para você? Quando conversamos durante a coletiva da novela, você disse que estava com algum problema na tireoide. Já resolveu?

“Eu estou acompanhando. Tenho um nódulo na tireoide, já fiz a punção, que é horrível, porque enfiam uma agulha enorme, mandam para a biopsia, e só tenho que acompanhar. Como acredito que todas as doenças do corpo são psicossomáticas, tento trabalhar minha dificuldade de expressar sentimentos em palavras, conversar, botar para fora. Quando estamos atuando, vivemos algumas sensações, mas o corpo não entende que aquilo é tudo encenação e libera tudo o que tem para liberar, então, a gente busca uns caminhos. Faço microfisioterapia que para mim é a descoberta do século. Gente, eu não tenho capacidade para falar dessa técnica, porque ela é pouco difundida no Brasil. Quem me apresentou foi minha mãe, que encontrou uma profissional no interior de São Paulo, e ela vem uma vez por mês no Rio de Janeiro, só para cuidar de mim. É uma reprogramação celular a nível de toque, como se o corpo registrasse todas as situações traumáticas que a gente vive desde a vida uterina e guardasse em pastinhas que precisamos esvaziar de tempos em tempos. Pelo toque ela vai reprogramando seu corpo como se mandasse uma informação para ele, algo que não precisamos entender a nível de consciência. A última sessão que fiz, eu estava completamente triste, aquele tipo de tristeza que gera até uma dor física. Ela me atendeu e ao final, eu não sentia mais aquilo. Foi ela quem me ajudou quando tive minhas primeiras crises de ansiedade, comecei a desenvolver síndrome do pânico, e ela freou isso, em 2009. Ela está comigo há algum tempo, o nome dela é Dra. Silvia Pauleto. Caso queiram, no Instagram dela tem a explicação sobre a técnica.”

Na novela o Walcyr vai falar de um tipo de tratamento também, como se fosse uma regressão para fazer com que a Laura se lembre do que aconteceu com ela no passado.. 

“Ah é? Tu está me contando uma coisa que eu não sabia. Quem vai fazer a regressão é a Adriana não é? Porque é ela que tem uma técnica para fazer as pessoas falarem.”

Você já passou por alguma experiência de regressão?

“Nunca passei, mas tenho muita vontade. Minha mãe fez uma terapia que tinha regressão. Vou descobrir muitas coisas que preciso curar, porque a dor vem para transformar.”

O que você acha do visual da Clara? Você gosta?

“Gosto! Eu acho que ela não perdeu a essência, afinal, sempre foi muito livre, e tentamos manter isso, só mudamos a cor. Eu adoro o visual da Clara, a única coisa que não gosto é usar salto alto. Era tão bom usar bota e rasteirinha o dia inteiro (risos). O cabelo é uma polêmica. Falaram muito dessa franja desconectada, mas eu gosto do torto, do diferente, daquilo que sai da caixa. Eu me estranhei no início, mas foi bom porque vi mais a Clara que a Bianca no espelho. Esse cabelo foi feito para a personagem, pelo Neandro e pela Cris Vicente que é uma profissional da nossa equipe que precisa ser muito mencionada e muito valorizada.”

A Clara é sua personagem mais difícil?

“Por estar sendo a personagem do momento, é sim. A gente sempre esquece o que viveu, a dor do passado, e como os outros foram difíceis. A Clara tem uma demanda muito grande. porque são 11 horas diárias, 6 dias por semana, 50 páginas de texto para estudar, mas é um grande desafio e uma grande oportunidade. Estou honrada de estar contando uma história como essa, porque além de entretenimento, temos essa função social que falei. Sou grata ao Walcyr e ao Maurinho por terem confiado em mim. Minha primeira protagonista nesse horário, e creio que muita gente deve ter sido contra.”

Você acredita que seu papel em ‘Êta Mundo Bom’, te abriu portas para ‘O Outro Lado do Paraíso’?

“Com certeza. Nunca tinha trabalhado com o Waclyr antes. Ele pôde conhecer meu trabalho em ‘Êta Mundo Bom’, e acredito que um trabalho puxa o outro.”

O Gael é um personagem estourado, agressor e que estuprou a esposa na noite de núpcias. Você acha que ele merece perdão?

“Eu acredito na regeneração do ser humano. Sou muito amorosa, e sinto a dor dessas mulheres agredidas, e contando essa história pude ter mais empatia. Eu acho que o Gael (Sérgio Guizé) deve seguir seu caminho de luz, e nunca mais fazer isso com mulher nenhuma, mas a história dele com a Clara está contada. É difícil torcer por ele. É um prazer contracenar com o Guizé, e jogar com ele, mas pessoas como o personagem dele, antes de serem soltas nas ruas, e se reintegrarem à sociedade, precisam se regenerar de fato. Provar que mudaram, passar por uma reeducação.”

Você crê que para acabar com o machismo, temos que educar essas novas crianças?

“Com certeza. As crianças são nossa esperança. Chip antigo é difícil de mudar, chip novo você pode botar o que quiser. Vamos plantar coisa boa, para colher coisa boa.”

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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