Correspondente do SBT pela América Latina, Patricia Vasconcellos revela: “Já morei em 28 casas em sete cidades de quatro países”

Publicado em 05/12/2016

Em meio às mudanças culturais, climáticas e sociais há sempre um correspondente com uma dura missão: reportar ao seu pais de origem os principais acontecimentos do dia. E não importa o dia, o horário e a temperatura. A notícia não tem hora marcada. Ela simplesmente acontece.

Assim é a vida da jornalista Patricia Vasconcellos que desde 2012 é correspondente do SBT pela América Latina. Patricia é mestre em TV Journalism pela Goldsmiths College, University of London, Bacharel em Comunicação Social pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e tem o domínio do inglês e do espanhol. Já o italiano está na lista do próximo idioma.

Morando na Argentina, a jornalista vez ou outra realiza coberturas pelo Chile, México, Peru e Venezuela tendo como foco coberturas políticas, sociais e climáticas. Patricia já morou em 28 casas em sete cidades de quatro países. E destaca: “Sobre a adaptação às diferentes culturas, eu sou uma esponja. Adoro aprender coisas novas. Mudanças climáticas não são um problema. Basta estar com a mala preparada.”

Confira: 

Quais as principais dificuldades que você já enfrentou? 

Mesmo que o país visitado para uma cobertura seja conhecido, a logística é sempre um desafio. Saímos de casa já com uma produção em andamento. Sabemos quem procurar e onde, é claro, mas os caminhos podem ser alterados dependendo da história que temos pela frente. Um bom exemplo foi a cobertura dos 43 jovens desaparecidos em Ayotzinapa, no México. Quando saí de Buenos Aires para esta cobertura, no fim de 2014, sabia que meu destino final era a região de Guerrero – uma das mais violentas. Já havia feito contato com parentes dos desaparecidos mas chegando em DF meu guia foi o instinto. Desembarcamos na hora do almoço e para este mesmo dia teríamos que enviar uma reportagem para o SBT Brasil. Tinha duas opções: ficar na cidade do México e fazer a reportagem dali ou tentar me aproximar do local onde as manifestações contra os desaparecimentos aconteciam. Escolhi a segunda opção. Eu e meu cinegrafista argentino alugamos um carro ali mesmo no aeroporto e seguimos. No caminho para a região de Guerrero encontramos pedágios interditados e pessoas que denunciavam os assassinatos criminosos no México. Geramos o material do lobby de um hotel que encontramos no caminho. Dependemos de conexão boa de internet e nesses casos o local da geração é sempre uma roleta russa. Ao fim, deu certo. Como chegar, como apurar, como enviar imagens e entrevistas a tempo do jornal que entra em poucos minutos. São alguns desafios do dia a dia de um correspondente.

Já enfrentou algum perigo?

Nunca senti tanto medo como a vez que fui cobrir o terremoto em Iquique. Já estive em zonas de conflito trabalhando como repórter e também como documentarista só que esse caso que relato aqui foi diferente. Quando lidamos com a natureza, a sensação é que somos impotentes porque o inimigo é invisível. Quando chegamos – eu e meu cinegrafista – ao norte do Chile em abril de 2014, o terremoto de maior intensidade já havia acontecido. Os 7,8 pontos na escala Richter fizeram com que eu literalmente voasse de Buenos Aires até o país vizinho. Foi uma aventura. Chegando em Santiago consegui embarcar no primeiro voo aberto após a liberação dos aeroportos da região afetada. Em Iquique, fomos para o porto destruído. Gravamos imagens e entrevistas que entraram a tempo no SBT Brasil. Missão cumprida? Bem, mal terminamos a geração e continuamos a gravar. Saí para visitar a casa de uma senhora que teve a casa partida ao meio. Na volta, no lobby do hotel, conversava com minha editora na única linha de telefone que funcionava – como os tremores continuavam, a conexão foi cortada em quase toda a cidade. Bem, eu estava nesta ligação quando um tremor muito forte aconteceu. Nem tive tempo de encerrar a chamada. Saí correndo do hotel pois ouvi uma sirene e, na sequência, uma voz gravada que dizia: “Atenção, atenção, alerta de tsunami. Mantenham a calma e procurem local seguro”. Como o Chile tem terremotos frequentes, a prevenção é feita de forma correta. Existem alto falantes nas cidades que são acionados quando um tremor de grande intensidade acontece em cidades litorâneas.  Bem, saí do hotel com meu cinegrafista e a partir dali gravamos tudo. Fomos parar em um estádio de futebol ao lado de centenas de pessoas que passaram a noite nas ruas. Apesar do tremor no mar, a onda gigante, graças a Deus, não veio. Ficamos em Iquique por mais alguns dias para registrar o dia a dia das pessoas que começaram a sofrer com a falta de água e comida já que os comércios não abriam com tantas réplicas (tremores mais fracos). Em 2015 voltei a cobrir uma situação parecida. Um tsunami em LaSerena. Nessa última ocasião, passamos uma noite no carro mesmo pois não nos sentimos seguros em dormir em lugar fechado com tantos tremores. A boa notícia é que voltamos para casa, inteiros, prontos para a próxima história.

A palavra medo existe no seu dicionário?

Claro que existe. Acho que medo tem relação direta com respeito. Respeitar os limites – do corpo, do tempo, da situação de risco. Entendo sua pergunta. Numa situação extrema como a de um conflito armado, por exemplo, a reação comum e esperada é correr na direção contrária ao problema. Se há violência ou insegurança, a tendência do ser humano é fugir daquilo, ir para longe. Só que o jornalista, o correspondente, corre em direção ao acontecimento. Nunca vou me esquecer do dia em que um colega – também jornalista – me disse assim: “Acho que vou para o Iraque.” Eu respondi: “Parabéns, fico feliz por você”. Ele retrucou: “Verdade? obrigado, você é a primeira pessoa que me parabeniza. Todos dizem que sentem medo por mim”. O ano era 2003. Recém formada mas já trabalhando em TV, eu fazia uma visita ao escritório internacional de uma emissora quando conheci esse correspondente que na época estava sendo enviado para cobrir o conflito desencadeado com o 11 de Setembro. Eu o parabenizei pois entendi que sua vontade era estar no lugar da notícia. Uma vez ali, ele iria retratar o que realmente estava acontecendo. Com seu trabalho, ajudaria pessoas. É assim que eu sinto. Acho que a função social do jornalista é dar voz aos que não tem espaço na sociedade, aos que sofrem injustiças, aos que lutam por direitos e cobram deveres. Nessa missão, encontramos situações de risco. Avaliar até onde vamos, isso depende, acredito, da experiência que adquirimos com o tempo.

Qual o limite na busca pela informação?

Acho que esse limite deve ser delineado por duas palavras: ética e sobrevivência. Um jornalista com J maiúsculo não compra informação, não dá coisas em troca e tão pouco se compromete com o que está além de sua função: informar. Há também o limite da integridade física porque todos queremos voltar bem para casa. A Venezuela, em 2014, foi um exemplo dessa última ponderação. Quando forças de segurança e população começaram a se enfrentar nas ruas, os correspondentes internacionais viraram alvo. Vários colegas tiveram equipamentos roubados e depredados. Outros tantos foram presos. Decidir onde ir numa situação assim, cabe ao profissional. Há treinamento para cobertura em áreas de conflito. O dia a dia também aprimora o instinto que em casos assim, não pode falhar.

Como lida com a saudade da família, amigos entre outros?

Eu saí de casa bem novinha. Aos 17 anos fui fazer faculdade em um lugar que fica a quase 400 km da minha cidade natal. Sou mineira, de Itajubá, e fiz Comunicação Social na Universidade Federal de Juiz de Fora. Essa saída foi difícil. Lembro que chorei diariamente por seis meses quando deixei o Sul de Minas. Eu sentia saudade da família, do namorado, dos amigos… de tudo. Daí o tempo foi passando e me acostumei – acho – a ficar longe. A última vez que parei para calcular contei 28 casas em sete cidades de quatro países. É o saldo das mudanças nos últimos 16 anos (me formei em 2000).

Como se adaptou às mudanças de clima, cultura?

Foi aos poucos. Hoje em dia eu me adapto fácil. Procuro focar no agora, no hoje e nas pessoas que estão ao meu redor. Há muito afeto por toda a parte. Em todo lugar do mundo há alguém disposto a te ouvir, a te dar apoio e ajudar. As pessoas que amamos moram no coração e sempre que as encontramos é igual.  Toda vez que vejo um amigo do peito que não encontro há anos digo: “Mas parece que nos vimos ontem!”… e a sensação é essa mesmo.  Sobre a adaptação às diferentes culturas, eu sou uma esponja. Adoro aprender coisas novas. Mudanças climáticas não são um problema. Basta estar com a mala preparada.

E as pessoas que te acompanharam (pais, filhos e companheiros)?

Então… essa é uma questão que, hoje, muitos me perguntam. Talvez porque sou mulher a cobrança da sociedade seja até maior. Eu não tive filhos… pelo menos até agora. Acabo de completar 38 anos e, de verdade, não vejo nem sinto isso como um problema. Sei que é a escolha de vida que eu fiz. As mudanças de casa e cidade foram acompanhadas por mudanças na vida pessoal também. A primeira vez que dividi o teto com alguém foi aos 19 anos. Eu era estudante de jornalismo e ele ator. Depois foram outros dois casamentos em regras similares – sem igreja, sem véu ou grinalda. Meu namorado atual é argentino (afinal vivo em Buenos Aires). Como vai ser daqui pra frente? Aprendi a não fazer planos nesse quesito. Neste momento – agosto de 2016 -, enquanto escrevo esse texto, estou no Brasil, na casa em que vivi quando era menina. Juan (o chamamos John) já dorme, minha mãe Arlete também. Vim acompanhar meu pai que fez um tratamento difícil no último ano. Ele, que era comunicador, meu ídolo, meu mestre, se foi há vinte dias. Sei que seu Francisco sempre se orgulhou da filha que seguiu seus passos.

O seu sonho sempre foi ser correspondente ou acabou acontecendo?

Eu sempre quis ser comunicadora. Sou filha de radialista, o grande Francisco de Vasconcellos. Cresci nesse meio, com microfone na mão. Minhas festas de aniversário eram sempre um evento. Eu planejava jogos de perguntas e respostas e apresentava como se fosse um talk-show. Os convidados eram  pai, mãe, irmã, primos, tios e tias. Eu super me divertia. Com 13 anos já sabia que minha profissão seria a de jornalista. Ser correspondente foi algo que descobri com o tempo. Eu comecei apresentadora, depois repórter e foi após um mestrado no exterior – na Inglaterra – que decidi me dedicar ao jornalismo internacional.

Uma cobertura marcante?

A transformação da Venezuela nos últimos anos, desde a última eleição de Chávez, em 2012, sua morte em 2013, a eleição de Nicolás Maduro, os protestos de 2014 e a atual crise geral no país. Tive a oportunidade de visitar esse país em todos esses momentos e relatar o que realmente acontece ali.

Quais as vantagens de ser um correspondente?

Conhecer diferentes lugares, pessoas, não ter rotina, não ter horários fixos, poder definir sua pauta com mais independência. Essas vantagens se tornam desvantagens para quem gosta de planejamento, afinal, você deve sempre estar pronto para sair de casa quando a notícia chamar.

Como é a sua rotina? 

Estou no mesmo fuso horário do Brasil (vivo em Buenos Aires). Minha rotina é, bem cedo, ler cuidadosamente os principais jornais da América Latina, checar as agências de notícias e enviar – antes do meio dia – um relatório a São Paulo. Uma vez definida a pauta, saio para gravar. Como temos dois jornais noturnos – o SBT Brasil e o Jornal do SBT, estou à disposição até a conclusão das pautas do último telejornal.

Por quanto tempo ficou sem dormir, comer etc?

Fiquei dois dias e meio sem dormir durante coberturas de terremotos no Chile.  No México já passei duas noites em claro porque viajávamos e eu tinha que gerar imagens e entrevistas à noite em uma internet de conexão muito lenta. Então puxei, em uma das noites, um sofá no lobby de um hotel e ali fiquei enviando os arquivos ao lado do cinegrafista, que revezava comigo. Sem comer não chegou a tanto…  Busco ser prevenida e sempre levar algo na mochila.

Conta com a ajuda de outras pessoas como empregados em casa? Se não, como você resolve essa questão?

Tenho a Lucy, uma argentina muito bacana que deixa a casa em ordem. Eu sinceramente não sei cozinhar…. A Lucy vive me dizendo que devo comer melhor, cumprir o intervalo de quatro horas e não ficar de estômago vazio mas é difícil. Como ela cuida muito bem de mim, sempre deixa coisas gostosas na geladeira.

Como você é tratado pelas pessoas e demais colegas de profissão no país onde mora?

Os correspondentes de lá são os meus melhores amigos. Sinceramente, acho incrível isso. Trabalhamos em veículos de comunicação diferentes mas nunca houve competição acirrada além do normal. Todos ajudam e mais: são companheiros de verdade. Sou uma privilegiada por trabalhar ao lado de profissionais tão incríveis.

Patricia durante uma viagem ao Peru pelo SBT DivulgaçãoSBT

Usa mais carro ou transporte público? Quais as vantagens e desvantagens do serviço no seu país?

Uso transporte público. Táxis e ônibus às vezes.

Tem algum lugar ou coisa que lhe agrada neste país?

Perto de Buenos Aires é possível conhecer os verdadeiros cowboys argentinos. Isso não é tão divulgado. Em San Antonio de Areco, cidade vizinha à capital portenha, o turista pode degustar um típico “asado argentino” feito em espetos fincados no chão. Os gaúchos argentinos estão bem mais perto da cidade grande do que imaginamos.

Já pagou algum mico por conta da cultura local?

Por mais que o espanhol seja fluente, algumas confusões entre palavras com significados diferentes mas grafia semelhante acontecem. Não fique chateado, por exemplo, se algum argentino te chamar de “groso”. Para eles, isso é “genial”. E quando lemos no jornal “presunto violador”? Calma… presunto para eles é “suposto” e o que comemos com queijo é “jamon”. Já me confundi algumas vezes mas nada muito grave.

O que há de mais exótico no país onde vive?

As montanhas de terra colorida em Purmamarca no norte da Argentina.

Quando os brasileiros te encontram o que eles mais dizem?

Você gosta dos argentinos?

Quando era repórter/apresentador, aqui no Brasil, em quem você se espelhava como correspondente?

Cada profissional tem seu mérito, seu valor. Se falar um nome apenas será injusto. Sou fã de muitos.

Tem vontade de mudar de região? E por quê? 

Tenho vontade em continuar meu trabalho que tanto amo.  Amo a América Latina assim como amo o mundo e sei que estarei feliz se meu ofício estiver bem feito.

A vivência no exterior fez você ter uma visão mais positiva ou negativa em relação ao Brasil? Por quê?

Positiva sempre. Primeiro porque o Brasil – apesar da crise atual – é muito bem visto no exterior principalmente por causa do seu povo, da sua gente. Temos problemas sim mas somos admirados apesar de tudo.

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