Caio Paduan relembra trabalho como garçom para pagar a faculdade: “Tudo valeu a pena”

Publicado em 19/11/2017

Na novela O Outro Lado do Paraíso, Caio Paduan, interpreta Bruno, filho de Nádia (Eliane Giardini). Na trama escrita por Walcyr Carrasco, o personagem é o principal elo com Raquel (Erika Januza) na discussão sobre o preconceito racial. Num bate papo com o ator, ele falou sobre seus estudos em relação ao tema para compor o personagem, e contou o que sentiu ao saber que estava escalado para uma novela das 21h. Confira:

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Como é para você fazer uma novela do Walcyr Carrasco?

É incrível! O Walcyr é muito habilidoso, e trata as palavras de um jeito muito direto. Eu gosto muito de literatura, e estou muito orgulhoso por isso, tento seguir o texto dele à risca, porque é como se eu tivesse declamando uma fala de um livro.

O casal caiu no gosto do público muito rápido, por essa questão do racismo e tal, você esperava isso?

Essa coisa do racismo é surreal. Eu fui pesquisar, e quando peguei os números, eu fiquei assustado. Há quem diga que não temos racismo no país, mas ouso dizer que somos o país mais racista do mundo, até porque nossa população é negra, 53%, aí me pergunto: ‘Como podemos ser o país mais racista do mundo com esses números?’. É triste! Ainda existe também aquele preconceito racial de tentar manter senzala e casa grande, o que também é triste, as pessoas não quererem ver a ascensão social de ninguém.

Você acha que quando o negro é bem sucedido, ele é melhor aceito por ser bem sucedido?

Acho que não, porque tenho amigos negros e bem sucedidos, que também sofrem muito racismo. São histórias horríveis. Uma lástima!

Mas tão forte quanto na novela?

O pior racismo para mim é o velado, que é aquele cara que diz: ‘Ah, eu não sou preconceituoso’. Nádia (Eliane Giardini) é assim. Ela diz: ‘Não sou preconceituosa, mas tinha que escolher logo uma negra?’. Tenho amigos em São Paulo, que participam de um movimento negro muito forte, e fui atrás de ouvir histórias e frequentei reuniões deles, e me assustei com o que acontece. A cada 10 jovens que morrem no Brasil, 7 são negros. São tantos vídeos, e tantas coisas tristes, que nós atores, que fazemos parte deste núcleo da novela, estávamos apreensivos, a Eliane principalmente. Nós conversamos muito sobre isso.

Você e a Eliane se emocionam nessas cenas que fazem juntos, do embate entre mãe e filho?

Me emociona estar em frente a uma das maiores atrizes do país, isso me emociona. A gente rala muito, mas quando você entra numa sala de preparação e vê: Lima Duarte, Fernanda Montenegro, Eliane Giardini, você para e diz: ‘É isso! É aqui que ralei para estar’. Desculpe, até me emociono com isso.

Você está sendo muito elogiado, porque saiu de um vilão em Rock Story, e veio para esse mocinho que o público já comprou. Como é para você fazer a composição desse personagem, porque ele viveu numa família tão ruim e tem um coração tão bom?

Primeiro, fico feliz quando percebem. Desde quando comecei a estudar teatro, é o modo que eu entendo de ser o melhor para mim, de construir um ser humano de cabo a rabo. Corpo, voz, pensamento, tudo. Demora mais tempo, me canso muito mais, pesquiso muito mais, mas é o modo que sei fazer, e que vejo Marieta (Severo) fazer, o modo que vi Nívea (Maria) em Além do Tempo, fazer. As composições de personagem são diferentes, porque o ser humano é diferente um do outro. Quando percebo que as pessoas notam, me dá uma alegria, porque esse personagem é muito diferente do último.

Que também não é igual ao Afonso, seu personagem em Além do Tempo..

Não é igual o Afonso, e foi o desejo de construir alguém diferente. O Afonso era 1840, e mesmo quando voltou nos tempos atuais, ele era um cara do Sul, o Bruno é de Palmas. Afonso não teve pai, aqui o Bruno tem uma mãe e um pai que é juiz. Aí já penso em como se comporta o filho de um juiz, que também estuda direito. São coisas que vou desmembrando através de trabalho, de se debruçar no texto, fui ler clássicos como Romeu e Julieta. E no Titanic também, Leonardo DiCaprio para mim é um gênio de composição.”

Algumas pessoas de Palmas, disseram que o seu andar é muito parecido com o dele. Faz parte da composição? 

Foi roubo mesmo (risos). Quando vem esses elogios para mim é um gol. Fiz ele com essa calma ao falar que o pessoal de lá tem, que ali no Centro Oeste é um pouco parecido, e fui tentando achar formas de viver este personagem. Assim que cheguei em Palmas, puxei o Rafael Cardoso, que é meu parceiro há tempos, e disse: ‘Vamos achar um lugar que eu veja jovens, quero ver essas pessoas’. Fui duas noites para ver as pessoas, conversar, peguei boné para ver como eles colocavam, aí descobri depois que meu personagem não usa boné, quem usaria seria o irmão dele, Diego (Arthur Aguiar). Eu ficava vendo os garotos super sérios, e fui trazendo para mim. Vi que eles pisavam na borda do pé. A calça por exemplo, o pessoal de lá usa calça justa, mas aqueles que são mais certinhos, usam a calça reta. Cheguei na TV Globo e pedi para o figurinista que todas as calças fossem retas, mais reta, meio anos 90. Fui estudar quem anda de moto, que tipo de pessoa anda de moto.

Após o salto de 10 anos na história, ele voltará casado com a Tônia, né? 

Ele presta concurso público, mas ele vai para outro caminho, ele não faz nada para ser juiz, o que já me interessou muito. Existe uma coisa de interior, dos jovens seguirem a profissão do pai, e achei que por ele estudar direito tendo um pai juiz, ele seguiria esse arquétipo clássico. Até pouco tempo atrás, eu não sabia o que seria dele na segunda fase, aí quando li, pensei: ‘Olha o Walcyr, que incrível’. Bruno vai voltar como delegado.

Em suas pesquisas, você observou o poder dos pais sobre os jovens?

Eu perguntei para eles. Existe de forma boa, não achei ruim não. As pessoas falam com carinho dos pais. A maioria com 25, 27 anos, ainda moram com os pais. Um pessoal muito família, o que é mais comum nos interiores do Brasil. Acho que no caso da Nádia, o Walcyr quis contar assim pelos valores deturpados, que até acontece, mas graças a Deus, existem Brunos por aí que discordam.

Mas ele se casa sem amor?

Ah, tem um negócio aí. Ele é meio mimado, meio garoto, inseguro. Ele argumenta em relação aos sonhos, quer se formar, e existe uma ambição. Quando o construímos, o fizemos um garoto que estuda muito. Até mesmo no quarto do personagem, que é forrado de livros de direito, filosofia, talvez isso explique muito a sensibilidade. E a arte nos ajuda também. Vimos que ele escuta Led Zeppelin, o que é interessante, porque ele mora no interior, e não escuta o sertanejo, que é a tônica do local. Tem quadro dos Beatles, é um garoto diferente.

Quando Raquel some, ele não vai atrás dela?

Ele não a encontra em Palmas.

Você tem algumas novelas no currículo e agora por mérito, está numa novela das nove, com um personagem muito elogiado. Você acredita que está colhendo o que plantou?

O plantio de quando eu  me vestia de garçom e meu pai dizia: ‘Sério, Caio?; Você vai trabalhar de garçom por quê?’, e eu dizia: ‘Pai, porque eu preciso pagar a faculdade de artes cênicas, porque minhas peças ainda não dão dinheiro, mas uma hora vai chegar’. Ele falava: ‘Não vejo garçom como demérito, mas vejo um filho que estudou tanto tempo se vestir assim, virar a noite’. Eu trabalhava 12 horas, entrava às 18 e saía às 6, e sabia que meu esforço teria resultado, porque eu sou apaixonado pelo que faço.

E desanimou em algum momento?

Claro! O ator que diz que nunca pensou em desistir, é um mentiroso, porque a gente quer desistir o tempo todo, ainda mais quando tudo é difícil, mas como a Fernanda (Montenegro) disse na preparação: ‘Se no momento que você quiser desistir, você sentir necessidade do palco, é porque você é do ramo’. Eu falei para ela que havia guardado isso para o resto da vida e ela disse: ‘Os primeiros 20 anos, são fáceis’, aí pensei, tenho 10 de formado, então, segundo ela, ainda estou no anos fáceis. É uma alegria imensa saber que lá atrás, quando eu fazia teatro na rua, me vestia de palhaço na rua, fazendo festas infantis, peças que iam 5 pessoas, ou indo para o interior de São Paulo, que a gente fazia uma peça  para ganhar a gasolina, tudo valeu a pena.

Quando você falou para o seu pai que você tinha chegado lá, e que estaria numa novela das nove, como foi isso?

É… (emocionadíssimo com a voz embargada). Desculpa. É forte, né? Minha mãe soltou o telefone, saiu gritando. Tem isso, né? Quando você chega em Malhação, as pessoas dizem: ‘Que legal, Malhação’, aí você faz a novela das seis, das sete… É uma cobrança também dos amigos, família e pessoas que gostam da gente, que dizem: ‘Daqui a pouco você chega na novela das nove’. Quando chega dá um orgulho de falar: ‘Oi mãe, estou na próxima novela das nove’. É isso!

E não é uma profissão fácil, né? 

Sim. É dificílima, vemos que as coisas vão aparecendo depois de um tempo. Se não for pelo trabalho, pelo ofício, não funciona. É algo que escutei dos meus pais, que me perguntaram: ‘Por que você quer estudar teatro?’; e respondi: ‘Porque amo isso, sou apaixonado por isso, quero fazer as pessoas refletirem e se emocionarem’. Se Deus quiser, continuarei seguindo isso, esse é o meu trabalho.

* Entrevista feita pelo jornalista André Romano.

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