“A novela é apenas uma faísca para abrir discussão” diz Carol Duarte sobre o preconceito contra transsexuais no Brasil

Publicado em 19/05/2017

Carol Duarte está vivendo diferentes experiências. A atriz que interpreta a Ivana, de A Força do Querer está atuando pela primeira vez na TV, e dando vida à uma das personagens mais importantes para a trama. Ela conversou com o Observatório da Televisão sobre sua experiência, expectativa e sobre ter o trabalho elogiado por Gloria Perez, autora da novela:

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Quando conversamos durante a coletiva de lançamento da novela você não sabia muito sobre a personagem. Como está sendo fazer a novela?

Está sendo muito legal. Como eu havia feito apenas teatro, o público da novela é muito maior. As pessoas estão gostando e torcendo pela Ivana. Estou muito feliz.

Mudou algo em relação à fama, ser reconhecida, etc?

Não. Como estou gravando muito, todos os dias eu não percebi.

Você é uma atriz de teatro. Você demorou a se adaptar ao jeito de fazer TV?

As cenas da Ivana me exigem muita concentração porque são cenas difíceis, e estou bem focada, estudando muito, e estou aprendendo muito porque nunca fiz novela, então existe toda uma estrutura que ainda estou aprendendo.

A Gloria Perez elogiou o desempenho na novela. Como se sentiu?

Ah minha gente, fiquei muito feliz. Eu acho a Gloria Perez muito corajosa em abordar determinados assuntos.

Qual a cena da Ivana mas te marcou?

A cena do espelho me marca muito e marca a Ivana bastante porque materializa esse conflito com o próprio corpo.

Você já recebeu retorno do público que assiste à novela e se identifica com a personagem?

Já me mandaram mensagens dizendo que possuem esse conflito de se entender, e dentro de casa está sendo difícil, que a família está assistindo a novela, e isso me deixa feliz porque espero que a novela possa contribuir de alguma forma para essa pessoa se entender e ser feliz.

Você é um atriz que veio do teatro mas não demonstra ter tido dificuldade em se adaptar à TV.

A minha maior dificuldade é que o teatro tem um tempo pra você se dedicar àquela peça. O tempo da TV é muito rápido, tanto de gravação quanto de estudo. Se eu gravo uma cena que eu acho que não fui tão bem, não interessa, a próxima eu já preciso fazer bem. A TV tem esse ritmo diferente do teatro e isso é o que eu mais sinto.

Você está pronta para uma transformação visual?

Eu estou na expectativa e estou pronta. Acho que o caminho que a Glória for seguir, estaremos prontos, não só eu mas todo o núcleo da Ivana e direção.

Você sendo porta-voz de um tema social. Como é pra você mesmo sendo tão nova, carregar esse tema importante?

Fico honrada de fazer esse papel, e é importante falar sobre esse tema.

Você não acha que esse tema já poderia ter sido tratado anteriormente?

É uma questão que talvez já pudesse ter sido dita, mas o que importa é o que estamos fazendo agora. Vamos lutar por isso agora!

Muito se falava antes da estréia sobre rejeição à personagem, mas as pessoas já consideram a Ivana uma espécie de Cinderela, você esperava isso?

Eu fico muito feliz por as pessoas apoiarem isso. A história da Ivana é apenas a de um ser humano que busca se encontrar, independente de padrões, e as pessoas apoiarem isso é muito legal.

Você teve medo dela não ser aceita?

Eu não pensava nisso antes da novela entrar no ar. Eu pensava em fazer a Ivana da forma como planejamos em conversa com a Glória, e com o Papinha. Só pensava em fazer o trabalho bem feito.

Você se emociona com as cenas da Ivana?

Eu me emociono. É inevitável. Nosso trabalho como ator tem técnica, mas tem o profissional diante da figura de um ser humano sofrendo, angustiado. É engraçado porque passamos tantas horas gravando e quando vou para a casa demoro um tempo pra sair da personagem porque acabamos estimulando nosso corpo à isso.

Você conheceu e conversou com pessoas que passaram por pelo que a Ivana passa?

Sim conversei com várias pessoas que estão passando por isso em diferentes fases de transição e faixa etária e cada história que ouvi eu absorvi de alguma maneira para a Ivana.

Esse é o seu primeiro papel na TV e um papel muito marcante. Você tem medo de ficar marcada como Ivana e isso prejudicar seus trabalhos futuros?

Como vim de teatro e fiz outros inúmeros trabalhos que não tiveram tanta repercussão, não me preocupo com isso porque a minha vontade é fazer milhares de outras coisas, e como atriz esse é só mais um personagem, claro que ele tem uma importância grande na minha vida.

Como vai ser o processo de transformação da Ivana?

Eu não sei nada sobre isso ainda.

O ator está sempre a serviço do personagem, então se houver uma transformação, a Ivana será um menino.Você já se preparou para por exemplo cortar o cabelo?

Eu não sei se isso está confirmado ou não, mas se acontecer acho que vou gostar. Gosto do meu cabelo mas gosto dessas mudanças. Nunca tive cabelo curto, mas cabelo cresce (risos).

Qual a maior dificuldade em construir a personagem?

A minha dificuldade com ela como atriz é descobrir o que é dela. Ela vai começar a experimentar coisas, e eu estou buscando o que a Ivana quer. O público vai descobrir junto com ator e isso é muito louco. Eu estou descobrindo os sentimentos dela ao mesmo tempo que o público está vendo isso.

As pessoas trans com as quais você conversa vêem as cenas da Ivana como críveis?

Os comentários que tenho recebido são positivos de certa forma, de uma pessoa que está se descobrindo, e não vi outras coisas além disso.

Você acha que a pressão da Joyce em cima dela faz com que ela não consiga encontrar a si mesma?

As relações entre mães e filhos têm expectativas e projeções, e o momento que a Ivana está vivendo é o momento de romper com algumas coisas para se descobrir. Ela diz “Eu não sou o que a minha mãe gostaria que eu fosse”.

Você acha que você se tornou o que sua mãe queria que você fosse?

Certamente não. Nunca tive essa conversa profunda com ela. (risos) Vou ligar pra ela quando sair daqui.

Quando você decidiu ser atriz sua família se posicionou contra por ser uma carreira que traz pouca estabilidade?

Quando decidi ser atriz existia essa preocupação, e ao longo da minha carreira eu fiz outros trabalhos que não eram em teatro justamente para ter dinheiro para fazer teatro, mas em todos os momentos da minha vida meus pais me apoiaram, porque queriam que eu estivesse feliz. Mesmo no momento em que falei “Não sei se quero mais” eles me incentivaram.

Como eles estão reagindo à personagem?

Eles choraram. Minha mãe trabalha próximo a uma banca de jornal, aí ela sai do trabalho e compra todas as revistas que eu apareço.

Aparentemente Ivana e Joyce vivem em mundos distintos. Você acha que em algum momento elas vão se encontrar?

Eu torço para que aconteça a transformação dessas personagens. Mães como a Joyce existem, e têm dificuldade em entender o que o filho está passando. É difícil lidar com as diferenças mas é possível.

Você está preparada para beijar uma menina?

Como atriz estou mas aí que ta. A Ivana é apaixonada pelo Cláudio, mas as questões dela são anteriores ao Cláudio.

Você falou que chegou a dizer em certo momento que não queria mais ser atriz. O que aconteceu?

Viver de teatro é muito difícil no Brasil e eu estava precisando de algumas coisas práticas na minha vida que o teatro não estava ajudando, e comecei a trabalhar de garçonete para me dar dinheiro e me possibilitar trabalhar como atriz. Foi uma certa frustração, eu tinha trancado a escola de arte dramática e estava repensando várias coisas.

Quando foi isso?

Há 1 ano, pouco antes de entrar na novela. Como meu pai é marceneiro, cheguei a fazer um curso de design de Interiores para poder trabalhar com ele.

Já sonhava com televisão?

Quando comecei a fazer teatro eu me apaixonei pelo teatro, inclusive quando terminar a novela quero fazer peças, mas todo ator que mora no Brasil sabe que existe a possibilidade de fazer novelas, e estou achando muito legal porque de fato eu aprendo muito.

A televisão é um mundo encantado?

Não sei se existe mundo encantado.

Você está preparada para ver sua vida exposta, paparazzi e matérias falando sobre o que você fez?

Acho que sim. Eu sou tranquila nesse aspecto, e não estou muito preocupada.

O Brasil é o país que mais mata transsexuais no mundo. Você acha que com a sua personagem as pessoas vão ter menos preconceito ou você que o ser humano é um caso perdido?

Não. Se eu achasse que o ser humano é caso perdido eu não estaria trabalhando como atriz. Espero que a novela possa abrir os horizontes das pessoas, tirar o preconceito. A violência precisa parar, e a novela é apenas uma faísca para abrir discussão. Precisamos conquistar muitas coisas enquanto sociedade para que isso não aconteça. Só de estarmos falando sobre isso é muito legal, tem a possibilidade das pessoas se informarem porque as vezes é falta de informação e essa é a minha torcida.

*Entrevista realizada pelo jornalista André Romano.

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