Bom Sucesso

“Coloco na conta do público”, diz Armando Babaioff sobre vilão ‘charmoso’ em Bom Sucesso

Galã defende a responsabilidade social do trabalho de ator

Publicado em 06/09/2019

Para Armando Babaioff, o papel do picareta Diogo em Bom Sucesso é mais do que um personagem de novela de TV. É um desafio artístico. O intérprete de 37 anos usa o lado cômico do marido de Nana (Fabíula Nascimento) como uma forma de ‘provocar’ o público em relação às atrocidades que ele comete.

Tudo leva a crer que o Diogo tenha realmente alguma patologia. E o que eu acho interessante é a forma como os autores da novela [Paulo Halm e Rosane Svartman] inserem, aos poucos, os elementos não só no meu personagem, mas em todos os personagens. Até agora, com um mês da novela no ar, os personagens ainda estão sendo apresentados“, analisa.

Confira o bate papo completo do ator com nossa reportagem.

OBSERVATÓRIO DA TELEVISÃO – Em Bom Sucesso, você interpreta um vilão que também tem humor. Como é para você construir esse personagem?

ARMANDO BABAIOFF – Olha, é curioso… Esse personagem vai pra um lugar onde eu posso brincar muito, principalmente com essa coisa da vilania. Eu sempre relutei muito com esse título [de ‘vilão’], porque logo de cara ele me tira o direito da dúvida. O personagem já é vilão, eu não posso fingir que não é. [risos] Ele já anda de preto, já tem todo esse figurino, todo esse universo do clichê, que faz parte do melodrama. Mas ao mesmo tempo é interessante você pegar esses recursos e subvertê-los um pouco. Pra esse personagem virar uma coisa chocante é muito fácil, porque as coisas que ele faz e fala são muito graves. Então de que forma eu posso subverter isso a ponto de deixá-lo engraçado? Não no sentido de apenas fazer graça, mas de colocar na responsabilidade de quem está assistindo talvez um sentimento de culpa por estar achando engraçado aquilo que esse personagem está se propondo a fazer. Então é muito louco você rir da forma como ele trata o seu Alberto (Antônio Fagundes), ou da forma como ele trata a enteada, a Sofia (Valentina Vieira) – às vezes é muito cruel. Mas eu coloco essa responsabilidade na conta do público. Essa é a natureza desse personagem.

Como está sendo o feedback do público na internet a respeito do seu papel na novela?

Tem de tudo! Desde gente que quer dar na minha cara até gente que acha engraçado e acha divertido. Alguns dizem ‘eu me sinto culpado por achar graça no seu personagem’. E aí eu digo ‘a ideia é essa’.

Em poucas semanas de novela, o Diogo já aprontou toda sorte de maldades. O que você pode adiantar a respeito das próximas ‘armadas’ dele?

O objetivo dele acho que está claro: ficar com a grana do seu Alberto a todo custo. E ele não mede esforços pra isso. Ele tem o plano A, plano B, plano C pra isso, tem todos os planos… E é muito rápido na forma como pensa. O plano A já conseguiu, que é ser incluído no testamento de forma oficial e ter parte na herança. Isso aconteceu logo no início da novela. Só que o Diogo está com um pouco de pressa. Ele não quer mais esperar o seu Alberto morrer. Quer logo colocar o plano B em ação, que é oferecer o imóvel, o terreno pra essa pessoa que ninguém sabe muito bem quem é – o Eric Feitosa (Jonas Bloch). E, nessa coisa do Alberto morrer-não-morrer, Diogo já entendeu que a pedra no sapato dele é a Paloma (Grazi Massafera). Então, Paloma, abre o seu olho, que vai esquentar pro seu lado! [risos] Esse é o objetivo do Diogo.

E agora ele cismou que quer ter um filho com a Nana (Fabíula Nascimento)… Até já abusou dela para isso!

Sim, pra garantir a herança. É um golpe da barriga ao contrário. Esse personagem, sendo como é, você percebe que ele é machista, é um cara completamente perturbado, autocentrado, umbigocêntrico… E, quando vê essa possibilidade, ele não pensa duas vezes. Tudo leva a crer que o Diogo tenha realmente alguma patologia. E o que eu acho interessante é a forma como os autores da novela [Paulo Halm e Rosane Svartman] inserem, aos poucos, os elementos não só no meu personagem, mas em todos os personagens. Até agora, com um mês da novela no ar, os personagens ainda estão sendo apresentados. Você não tem uma clareza 100% sobre a natureza de cada um deles. São surpresas atrás de surpresas, camadas atrás de camadas. E isso pra nós [atores] é um prato cheio. Toda vez que chega um bloco novo, eu me surpreendo com mais uma qualidade que os autores colocam pro personagem. E não só o meu: todos os personagens estão recebendo informações novas o tempo inteiro, e isso para o público é um refresco. É uma surpresa semanal.

Você é taxativo ao dizer que seu personagem só pensa em si próprio. Mas e a Gisele (Sheron Menezes)? Ele realmente não pensa nela em momento algum e só a está usando?

O que o Diogo leva a sério? Ele não dá um ponto sem nó. Toda vez que ele chega e convence a Gisele daquele universo todo, é porque realmente tem outro interesse por detrás daquilo. Não tem nada que o Diogo faça na trama que seja por acaso. Tudo é pensado.

Como você está vivendo, enquanto ator, esse momento tão especial da sua carreira?

Talvez tudo o que eu tenha feito, durante toda a minha vida, de alguma forma me preparou pra fazer esse personagem hoje em dia. Você me faz essa pergunta exatamente um dia após eu ter feito uma matéria para o Gshow, na qual eles me mostraram o meu primeiro teste aqui para a emissora, em 2004. Eu fiquei bastante emocionando, porque… 15 anos me distanciam daquela imagem. Muita coisa aconteceu [nesse entrementes]. Então eu preciso lembrar de onde eu venho, o tempo inteiro eu faço questão de lembrar. Porque é a minha base, é pra onde eu gosto de retornar, é a minha casa, é o teatro e é onde sempre eu me renovo. Então não tenho medo de encarar desafios. Não tive medo quando o Luiz Henrique Rios me chamou pra esse lugar. Sem arrogância alguma, eu falo isso com toda a humildade do mundo. Mas, de alguma forma, eu me preparei pra estar nesse lugar, pra esse momento. E, principalmente, pra entrar num estúdio e achar que é natural contracenar com o Jonas Bloch e o Antônio Fagundes. [risos] Não é! Não é normal você entrar e encontrar aquelas pessoas que eu admiro de uma vida inteira. Eu finjo naturalidade. [risos]

A Rosane Svartman, em entrevistas anteriores, comentou que o Diogo iria ficando cada vez pior na história, e que ela própria não sabia inicialmente encontrar um limite para ele. Você acha que ele tem algum limite?

Não. O Diogo é sem limites. Isso é o que me assusta nesse personagem. Porque eu começo com uma proposta e essa proposta precisa se adequar a vários lugares. Um desses lugares é o texto, o outro lugar é a direção – a forma como o Luiz Henrique [Rios] vê a direção artística da novela -, e outra ainda é o horário em que a novela vai ao ar. Nós sabemos que é uma novela muito assistida por crianças. Então existe sim essa preocupação na hora de se experimentar as cenas. O Diogo é um vilão, e a minha ideia na construção do personagem, dentro desse universo da literatura, é brincar um pouco com esses vilões da literatura, quase trazendo ele pra um lugar lúdico. Quando discute com a Sofia, ele fala de igual pra igual, ele quase vai pra idade dela. Talvez eu até vá a uma idade abaixo da dela. [risos] Parece que ele tem cinco anos e está discutindo com uma menina mais madura. Mas existe sim essa preocupação, até no sentido de se colocar uma crítica a esse comportamento de algumas figuras da sociedade [que agem como Diogo].

Há alguns capítulos, o Diogo mencionou que “não gosta de rico, mas também não quer voltar a ser pobre”. Como é o passado do personagem?

Nem eu sei! Mas é legal você me perguntar isso, porque… O Diogo tem uma psicopatia. Mas ele é um psicopata tupiniquim. Um psicopata cafona, brasileiro. Algumas pessoas, quando me perguntam por referências para compor o personagem, talvez esperassem me ouvir dizer que me inspirei em séries como Lúcifer, Dexter. Mas eu não vi nada disso! Diogo é um psicopata brasileiro cafona. As referências dele são as referências que todo brasileiro tem. Ele é um brasileiro que vem de algum lugar que eu não sei, mas que renega esse passado. Se o Diogo buscou referência em algum outro personagem, foram todos de novelas brasileiras. Ele se inspirou nesse universo. Até a cueca vermelha que ele aparece usando a gente já viu em algum lugar! [risos] O comportamento dele é o comportamento de um típico brasileiro que quer fazer parte da alta sociedade, mas não tem jeito, não tem modos… Ele acha que usar sapato sem meia é chique! E aí que entra o humor.

O Diogo é infiel à esposa. Como esse lado mais ‘machista’ do personagem tem sido recebido pelo público nas ruas? E como você vê essa questão dentro do papel?

O Diogo também é isso. Com o passar da novela, a gente percebe que o Diogo vai indo pra uma outra esfera – a de um personagem amoral. Ele não sente culpa. Então, falar sobre machismo é um pouco complicado porque eu não sei se é o que ele está abordando. Óbvio que tem isso ali, mas, como ele também tem, em primeiro plano, essa psicopatia, que fala dessa amoralidade dele e dessa ausência de culpa, é muito pior! Porque vai além do machismo. Vai da ausência de filtro mesmo. Ele acha que transar com uma mulher desacordada, porque ela está alcoolizada [como o personagem fez com a esposa, Nana, recentemente na trama], é normal – porque ele é marido dela e está casado com ela.

Como é, para você, transitar entre o cômico e o aterrorizante desse personagem?

É divertido pensar que, numa hora você compra o humor e a graça do papel, e em outra você fala: ‘meu Deus, eu estava rindo disso?’ É essa a estranheza que eu quero causar no público. Isso me interessa. Porque estamos falando de seres humanos, de humanidade. O Diogo não é uma coisa só, não é um bloco. Ele continua com esse humor sarcástico, ácido, o que torna o personagem interessante, curioso e permite inclusive que ele chegue nesse lugar que mencionamos no nosso início de conversa: a culpa que eu gostaria que o público sentisse por gostar do Diogo.

Pessoas como o Diogo existem na vida real, e são mais comuns do que se imagina. Você já identificou alguém assim no seu convívio?

Olha, eu tenho os melhores amigos do mundo. Eu nunca passei por isso.

Existe a previsão de que o Diogo comece a matar alguns personagens, já a partir da próxima semana. Como é pra você dar sequência à trajetória dele, agora com as mãos sujas de sangue?

O que eu posso adiantar é que Diogo, da mesma como eu [a respeito dele], vai se descobrindo. A gente [atores] vai descobrir isso junto com o público. Essa relação dele com a morte, com o assassinato, e ele se identificando e gostando disso… Essa relação vai ser construída aos olhos do público. Isso, pra mim, é mais legal ainda. Porque é uma construção, a gente vai ter a oportunidade de ver esse sentimento nascer e o Diogo ir pra esse lugar.

Sua peça Tom na Fazenda vai continuar em cartaz?

Sim… se o Luiz Henrique Rios deixar! [risos]

E você já tem outros projetos em vista no teatro?

Eu estou produzindo uma nova peça do mesmo autor de Tom na Fazenda [o canadense Michel Marc Bouchard]. Nós fomos com a peça pra Montreal no ano passado. E ele [Bouchard] ficou tão impactado com a peça que resolveu fazer um encontro na casa dele pro elenco e direção. E me entregou um envelope, dizendo: ‘isso aqui é pra você. Estou te dando uma peça nova e sem direitos autorais. Você não precisa me pagar nada’.

Então o Tom está por se encerrar?

Não! No ano que vem vamos fazer uma temporada de um mês em Montreal. A gente estreia em 3 de março.

Você pode adiantar o nome desse novo projeto?

Se chama A Estrada dos Passos Perigosos. Já traduzi até.

Você comentou que assistir ao seu primeiro teste no Gshow te fez repensar sua responsabilidade social como ator. A que conclusão você chegou sobre essa responsabilidade e como você a exerce?

Tom na Fazenda é isso. Tom na Fazenda é uma peça sem patrocínio, que, mesmo assim, a gente apresentou no Brasil inteiro. O objetivo da peça não é fazer dinheiro. É [mostrar] o que os artistas brasileiros pensam desse momento [atual]. A peça dialoga muito com essa questão. Em um primeiro momento, quando estreou, a gente ficou muito receoso, achando que o espetáculo entraria num nicho que fala muito de homofobia. Mas ele passa longe disso. A peça também fala de homofobia. Então eu encontro neste lugar a possibilidade de falar sobre algo em que eu acredito – não só eu: a equipe inteira. Isso é o que eu quero pra essa profissão. É a única voz que eu tenho. Eu não sei cantar, não sei escrever. A única coisa que eu sei é subir num palco e dizer o que eu penso do mundo. E é esse o meu lugar. É nesse lugar que eu sinto que é a minha responsabilidade social. Já que investiram em mim, eu preciso de alguma forma retribuir.

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