Marieta Severo avalia Sophia, de O Outro Lado do Paraíso, e revela: “Emocionalmente, as cenas com a Estela me custam mais”

Publicado em 23/03/2018

Com mais de 50 anos de carreira e aclamada pela crítica e pela audiência, Marieta Severo não para de surpreender. A cada papel, a atriz se transforma de tal maneira que nem sequer a relacionamos ao trabalho anterior. Ela passou quase uma década e meia interpretando a Dona Nenê, de A Grande Família (Globo), e, nos dois papéis seguintes, o público continuou amando seu trabalho.

Como a vilã de O Outro Lado do Paraíso, a novela das 21h, da Globo, por exemplo, ela ela não deixou resquícios da personagem anterior e desenvolveu uma trajetória muito singular para a Sophia. A megera é um dos destaques absolutos da novela e, até o último capítulo, promete dar o que falar.

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Em entrevista exclusiva ao Observatório da Televisão, Severo explicou como foi o processo de construção da vilã mais odiada do país na atualidade. Ela reafirma que Sophia se ama acima de tudo e é movida pelo dinheiro e pelo poder. A atriz fala ainda sobre as dificuldades de fazer cenas mais pesadas com Juliana Caldas, intérprete Estela. Confira.

Como é a repercussão de ser a mulher mais perigosa do Brasil atualmente?

Quem diria, não é? Sou tão frágil, tão mignonzinha e a Sophia mata cada homão. São tesouras poderosas (risos). É muito bom poder fazer um trabalho com essa repercussão. A gente trabalha para isso, para levar ao público emoções das mais variadas, mesmo que seja raiva. O ator quando tem um personagem dessa força, já trabalha contente.

O que você tem escutado nas ruas?

“Nossa Dona Nenê, como você está má” (risos). Ouvi muito isso no início, agora só dizem coisas como “Estou com ódio de você”.

Na coletiva de lançamento da novela nós conversamos, e você me disse que interpretaria uma vilã, mas já sabia que seria uma malvada dessa dimensão?

Eu sabia que era uma vilã, mas o bom da novela é isso. O ator também se surpreende com a capacidade do autor de criar coisas, de voar, e te levar para caminhos que você não imaginava.

Sobre o envolvimento da Sophia com o Mariano você sabia ou foi uma surpresa?

Não. O que eu sabia é que a Sophia tinha aquela família disfuncional, uma filha transgressora, e um filho que batia em mulheres. Isso já estava previsto desde sempre e trabalhei nesse sentido, de criar uma mãe que desse margem aqueles filhos, e entender a trajetória dos filhos através da mãe. Pensei como seria essa mãe e descobri que existe o termo mãe tóxica, que é uma mãe que intoxica emocionalmente os filhos, e tem uma relação com afeto completamente bloqueada, e trabalhei muito nesse sentido. Não sabia do Mariano, das tesouras, nada disso.

O que vem pela frente?

Vocês sabem mais que eu (risos). Às vezes, o pessoal vem falar comigo dizendo “Saiu em tal site, em tal blog que vai acontecer tal coisa”. Eu recebi até o 156, e já li. Eu recebo e fico muito curiosa para ler, essa novela tem esse poder. O Walcyr tem esse poder de conduzir a ficção envolvendo completamente o público, criando milhares de suspenses. Cada trilha que ele propõe tem suspenses e desenrolares que vão prendendo o público, por isso que é um sucesso.

Você acha que a Sophia tem conserto? E qual final você daria para ela?

Basicamente, sou uma pessoa que acredita no ser humano e em todas as possibilidades dele, inclusive de se regenerar, está aí o Gael como exemplo. Mas a Sophia é tão autocentrada, incapaz de ver o outro, age de acordo com os interesses dela acima de tudo, que são dinheiro, poder, então não sei se ela teria solução fora desse redemoinho que ela vive. Ela diz que adora o Gael, mas ela usa e manipula esse filho, e vejo tudo nela muito tóxico. Ela é um exemplo tão grande de uma camada da nossa sociedade, tão voltada para esses valores. Gosto de interpretar uma personagem que faz as pessoas pensarem através das más ações dela. Como ela pode ter um bom final se ela não tem nada de afeto, empatia, solidariedade, nenhum valor para sustentar, mas ela é um exemplo de valores presentes na sociedade moderna? Vamos dar um exemplo através dela para ela se ferrar? O pior é que na vida real, essas pessoas como ela estão se dando bem. Quem sabe se ela se der bem no final fique uma coisa mais real, não é?

Existem algumas teorias dizendo que no final, a Sophia vai sofrer um acidente, ficar paraplégica e ser cuidada pela Estela, a filha que ela tanto rejeitou…

É pode ser uma boa saída. Eu não gosto de ficar pensando, juro por Deus. Eu quero seguir a trilha do autor. Por onde a cabeça dele vai, eu vou atrás.

Como você encara as brincadeiras nas redes sociais?

Eu não frequento as redes sociais, então quando fico sabendo de algumas coisas é porque minhas filhas me mandam. Eu me divirto muito, acho ótimo, ser motivo de meme hoje em dia é a glória, não é? (risos).

A Sophia foi perdendo aliados no caminho. Ela vai ganhar mais algum?

Ela vai ganhar um aliado forte que é o Renato. Ele vai querer tirar todo o dinheiro da Clara e tem argumentos para isso. Ele na verdade era aliado dela, porque a ajudou lá atrás.

Você acha que ela é capaz de amar alguém de verdade?

A si mesma acima de qualquer coisa.

E a relação dela com o Mariano? Ela sente amor por ele?

Eu acho que precisamos dizer o que é o amor. O amor para cada pessoa funciona de um jeito, e o amor da Sophia pelo Mariano é o mais torto possível. É aquele da posse absoluta, ela quer o Mariano para ela, não podem tirá-lo dela. Ela rompe com a filha, contou um segredo para a filha de forma cruel, porque aquele homem não pode ser tirado dela de jeito nenhum. Ele é dela. Ela tem esse sentido de posse que o dinheiro que ela sempre teve garante a ela.

Essa cena que a Sophia contou para a Lívia que não era mãe biológica dela, como foi para você gravar?

Ruim. Ela é fria, parece despida de sentimentos, de empatia. A possibilidade de causar um sofrimento na filha para ela não interessa e existem pessoas assim, sabemos disso.

E as cenas que a Sophia mata pessoas? Elas são pesadas para você?

São, eu já estou me acostumando (risos). A primeira foi horrível, eu fiquei muito mobilizada, me lembro de cada detalhe, foi um dia inesquecível.  Tenho que dar o máximo de veracidade possível às cenas porque gestualmente sou pequena, magra, e ela até enterra o cara. Você viu a cova que a ela fez, com quase 2 metros de altura? Tenho certeza que ela faz musculação (risos). Emocionalmente, as cenas com a Estela (Juliana Caldas) me custam mais.

Vocês conversam antes?

Conversamos. Mas na hora de ensaiar ela viu que eu já estava mal porque não aguentava mais falar aquelas coisas. São falas muito cruéis. Quando você começa, é uma linha que tem no personagem que é muito tênue. Quando começamos a ensaiar, e vou falando aquelas coisas, é muito doloroso.

Mesmo com tantos anos de carreira, ainda é difícil não levar isso para a casa?

Eu não levo para casa. Eu saio com cansaço físico e emocional por fazer uma personagem com essa carga, é uma carga pesada, mas enquanto estou ali, até entrar na personagem sou eu Marieta, é a minha sensibilidade. O nosso material é a gente.

Como é a sua relação em família?

Eu tenho uma relação muito próxima com minha família, nunca fui uma mãe distante e mesmo trabalhando muito procurei estar presente na vida das minhas filhas e netos. Temos uma coisa familiar da qual me orgulho muito, qualquer coisa que acontece estamos falando, nos encontramos toda semana. Nos falamos por Whatsapp, e e-mail.

Como é você dos dois lados, como atriz e empresária?

Está um momento social e econômico muito complicado, e que espero que seja um momento de transição para coisas melhores para continuarmos no caminho de conquistas sociais que estávamos.  A sensação é que está tudo andando para trás mas acredito que a tendência é passar por esse momento terrível e as coisas plantadas florescerem. Ter dois teatros como nós temos neste momento é duro, mas ao mesmo tempo tão bonito porque estamos tendo tanta proporção de ocupação que é surpreendente. São atos de resistência mesmo. Algumas pessoas estão desistindo de colocar suas peças em nossos espaços, aí temos que colocar outras no lugar, aí o dinheiro que vinha de um lugar, acaba não vindo mais e acabamos passando por isso.

Você faz uma personagem tão cruel, mas as pessoas ainda têm a Dona Nenê muito presente…

Eu acho que o público brasileiro sabe distinguir o ator do personagem, ainda mais uma pessoa que tem 51 anos de carreira, como eu. Temos mais de 50 anos de teledramaturgia, as pessoas já entendem que mesmo que elas me digam que estou sendo má, sabem que não sou eu ali em cena.

A minha avó nunca havia ido ao teatro, e a levamos para assistir sua peça Incêndios, e ela ficou muito emocionada ao ver o quão visceral você era no palco.

Ah meu Deus, que lindo. É tão engraçado, quando estreamos essa peça há quatro anos houve um comentário de uma crítica dizendo que o tema da peça que era guerra civil, não tinha nada a ver com a gente aqui no Brasil, e eu pensava “Como não?”. Temos a quantidade de mortos de uma guerra civil, a gente vive uma guerra civil hoje em dia. Isso que você falou sobre sua avó foi lindo e nunca vou esquecer. O teatro é a presença, e existirá sempre por isso, por esse contato direto com o público.

Você acha que a criação da Lívia, Gael e Estela foi o que fez com que eles desenvolvessem aquele tipo de personalidade?

Não, eu acho que nunca é uma coisa só falando de ser humano, seria muito simples e nem Freud teve essa ousadia, mas creio que pode sim colaborar. Tem uma coisa que me passou pela cabeça agora, o Gael independente dessa mãe é aquele menino criado se achando com direito a tudo. Ele seria um playboyzinho dessa elite que tem tudo o que quer. Me parece que ela deve ter compensado a falta de amor dela dando tudo materialmente. Acho que você pode entender alguma coisa do comportamento dele através dela, mas não completamente.

Como é a sua troca em cena com essa nova geração?

Eu adoro, porque são atores que jogam, estão no jogo cênico e não só aqueles que vêm com a cena pronta e ficam parados querendo saber qual seu melhor ângulo. É outra categoria, eles são muito presentes na busca pelo personagem, de estarem ali vivos fazendo aquilo e descobrir junto. Sou muito feliz com meu núcleo.

Como está o Brasil para você?

Está perigoso, muito difícil em que velhos temores vêm à tona. Gastei minha juventude toda, porque pensar que você é jovem, está na sua melhor energia de transformação e está sufocado dentro de uma ditadura, e isso me volta a cabeça. Sempre acho que as coisas mudam, mas tenho medo de ter que viver muito para ver esse jogo mudar.

Você já pensou em se mudar do Brasil?

Não, não tem a menor possibilidade. A situação de exilada é muito triste. Eu adoro viajar, mas quando tenho vontade. Nada como a liberdade, e temos que estar muito atentos porque têm muitas forças em jogo, retrogradas e violentas, que querem resolver as coisas de forma menos humanitária possível, isso não me atrai e acho que temos muitos caminhos para o ser humano dessa sociedade.

Na sua primeira novela, O Sheik de Agadir, você já havia feito uma serial killer não é?

Sim, eu era o Rato, e agora em O Outro Lado do Paraíso, eu tinha um capanga chamado Rato. Fiquei toda boba achando que era uma homenagem, fui perguntar para o Walcyr e ele disse que nem lembrava (risos).

Um dos assuntos abordados na novela é o preconceito racial. Na sua família tem pessoas negras. Vocês já passaram por alguma situação de preconceito?

Passamos. Quando a Lelê ficou grávida do Carlinhos, saíram comentários muito cruéis na imprensa e a nossa reação foi fazer o que fazemos agora, que é processar. Teve um jornalista de Goiás, que foi enquadrado até por não ser réu primário numa situação assim. O que podemos fazer é lutar contra isso, que é a coisa mais estúpida, absurda e cruel que existe: o preconceito racial. Cada vez que qualquer dessas coisas se manifesta, para a gente não se sentir completamente impotente, a gente processa para poder ter algum gesto. Já ouvi gente ser preconceituosa e argumentar “E minha liberdade de expressão”? Gente, como assim? Vamos meditar sobre isso?

E o coração de avó como fica vendo os netos trilharem pelo caminho da arte?

Fica feliz. Eu fico feliz por cada um trilhar o próprio caminho seja da arte ou não. Tenho 7 netos, o Chiquinho é o mais velho, está demonstrando essa vocação para a música. Espero que cada um deles descubra a própria vocação. É o que salva a gente. É uma benção quando a gente descobre na vida o que gosta, e consegue fazer.

Você chegou onde sempre sonhou?

Eu nunca sonhei chegar e não sei onde estou, então não sei (risos). Sempre trabalhei muito, levei minha profissão a sério e me dediquei muito a ela. Se há algum reconhecimento que nem o da sua avó me faz ter vontade de ir adiante.

E esse cabelo loiro? Vai continuar com ele depois da novela?

Eu não. Ainda mais com esse tamanho, só a Sophia mesmo que é ridícula, a essa altura da vida, nessa idade, achando que pode usar esse cabelão aqui (risos). Eu, Marieta só andava de cabelo preso, outro dia fui ver a peça da minha filha de cabelo solto e ela disse: “Mãe, você está de cabelo solto”, e eu respondi: “É, acostumei né”. Eu não conseguia me ver com o cabelo assim. Já tive esse cabelão, mas quando eu era jovem, mas cabelo preto não dava pra ficar mais não porque fico uma bruxa.

O que você vai fazer depois da novela?

Como sei que terminarei bem cansada, tirarei um tempo para descansar, e depois já tenho um filme para fazer que chama Aos Nossos Filhos, dirigido pela Maria de Medeiros.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano.

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