Interpretando feminista de época em Orgulho e Paixão, Nathalia Dill fala sobre o tema: “Qualquer mudança no sistema é muito difícil”

Publicado em 07/03/2018

Nathalia Dill está de volta às telinhas da Globo para dar vida à Elisabeta, sua personagem na nova trama das 18h, Orgulho e Paixão. Ambientada no século XX, a moça é uma jovem com pensamentos à frente do seu tempo, feminista e que sonha em conhecer o mundo. Entre seus objetivos, conseguir o próprio emprego é prioridade. Sem dar muita importância para a vida amorosa e para a ideia de casamento, Elisabeta se vê em fortes conflitos internos ao conhecer Darcy (Thiago Lacerda).

Em entrevista ao Observatório da Televisão, Nathalia falou um pouco sobre as características da sua personagem, sobre a luta da mulher por espaço na sociedade e sobre o risco de ter o título de mocinha rotulado em sua carreira. Confira abaixo:

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A Elisabeta é uma vanguardista do feminismo e você também é engajada. O que você está levando da Nathalia para a personagem, ou vice-versa?

“A época dela era muito atrasada para as mulheres, como a nossa hoje em dia é ainda. Não é uma coisa concreta dos direitos, porque a gente não vai caminhar por esse lugar, mas só o fato dela não abaixar a cabeça nas situações, já é uma coisa que me inspira. Acho também que é uma energia que quanto mais eu consigo colocar nela, melhor. Enfim!”

Você ficou impressionada com essa postura libertária da Elisabeta quando foi estudando o contexto da época em que ela está inserida?

“É uma luta muito forte, difícil você sempre estar lutando contra todo um sistema que já está estruturado. Qualquer mudança no sistema é muito difícil, muito sofrida, muito dolorida. O fato dela querer trabalhar e querer casar com um amor que ela realmente ache, já é um ato bem heroico. O que me impressiona é o jeito que ela é, como ela lida com as situações, ela tem uma língua afiada, isso que eu acho muito bonito, interessante e difícil de fazer. Do jeito que o Marcos (Bernstein) escreve e o Fred (Mavrink) dirige, a gente está colocando ela como uma personagem atenta a todos os sinais que estão a sua volta. Ela brinca, ela observa muito, observa todo mundo e todas as situações. E eu também como atriz tento fazer isso, observar os outros atores, a situação, a locação de cenário, como ele está estruturado, tentando jogar com todos esses elementos o máximo possível.”

Como vai ser o relacionamento da Elisabeta com o Darcy, personagem do Thiago Lacerda?

“O que eu acho bonito é que os dois são deslocados do tempo. Ela não concorda que a mulher tem que servir, tem que tratar o homem, porque, afinal de contas, era a forma como as mulheres tinham que se sustentar. A economia era baseada assim, se elas não podiam trabalhar, elas tinham que escolher um homem rico, era a forma de sobrevivência. E ele também não concordava com essa postura de mulheres na prateleira, onde você vai e escolhe uma que lhe serve. Então, os dois se encaixam nesse lugar que é fora do lugar.”

Essa será mais uma parceria com o Thiago Lacerda. Como é contracenar com ele?

“Exatamente. Ele é um parceiro incrível. A outra novela foi maravilhosa, e ele é um colega muito bacana.”

O casal protagonista: Elisabeta Benedito (Nathalia Dill) e Darcy Williamson (Thiago Lacerda) em Orgulho e Paixão
Elisabeta Benedito (Nathalia Dill) e Darcy Williamson (Thiago Lacerda) em Orgulho e Paixão (Divulgação/ TV Globo)

O Ernesto, personagem do Rodrigo Simas, vai chegar para dar uma balançada na Elisabeta, né?

“O personagem do Rodrigo é do mesmo lugar que ela. O Darcy é um personagem que vem de fora, que é estranho, que não está naquele ambiente e o do Rodrigo é o oposto. É um personagem que sempre esteve lá, que cresceu como ela, que também é libertário como ela, tem uma similaridade entre os dois e uma irmandade genuína. Isso dá uma desestabilizada.”

Como será a amizade da Elisabeta com a Ema? A maneira de pensar distintas das duas personagens vai gerar um embate na trama?

“O que eu acho lindo é que a Ema é o oposto: é a casamenteira, ela é da aristocracia, o avô dela é Barão. Ela vive aquilo com todo amor e toda verdade que possui dentro dela. Mas ao mesmo tempo existe essa amizade que é verdadeira e existe essa discussão, não tem certo ou errado, tem o que te move. Os embates delas são muito legais, uma tenta um pouco corrigir a outra, depois elas desistem. Existe um respeito dentro das diferenças, que é tão difícil da gente entender e aceitar.”

A Nathalia Dill é uma mulher que sonha com o casamento? Com filhos?

“Eu acho que vou variando, ninguém é uma coisa só. Considero que eu tenho um pouco de tudo e também acho que cada personagem que vou fazendo vai me trazendo um pouco mais desses desejos. Vai variando conforme a vida vai passando. Sempre sonhei, eu sempre gostei muito de criança. É uma experiência que eu gostaria de passar na minha vida, tenho vontade do processo de engravidar, de ter um filho. Queria sair dessa vida com essa experiência.”

A sua personagem está à frente do tempo. Você consegue fazer um paralelo sobre isso?

“É como eu estava falando antes. Eu acho que qualquer mulher sempre esteve à frente do tempo, porque eu acho que todos os tempos foram atrasados para ela, assim como para os negros e todas as minorias. Então, eu acho que quando a gente está ouvindo o nosso desejo e querendo viver a nossa vida e os nossos sonhos, naturalmente as minorias já estão à frente do tempo.”

E como vai ser a relação da sua personagem com a mãe Ofélia (Vera Holtz)? Ela vai querer impor um casamento para Elisabeta, né?

“O que eu acho genial da Vera Holtz é que ela não está fazendo essa mãe opressora. Na verdade, a mãe tem uma necessidade real que é fazer as filhas sobreviverem, é genuíno dela. E a Vera faz isso com muito humor e fica divertido. Então, são mais embates ideológicos do que embates de brigas, não são ríspidos. Ela joga muito para um lado humorado e torna a família muito divertida. É genial, uma sacada maravilhosa que ela deu.”

Então, a Ofélia só quer o bem das filhas, não é isso?

“Era a necessidade da época, era assim que as mulheres conseguiam sobreviver. No original, o pai deixa a casa no testamento e quando ele morre, vai ficar para o filho. Então, no livro existe essa demanda de que quando o pai morrer, elas ficam sem a casa e se elas não casarem com um homem, elas não têm para onde ir. É uma necessidade de economia mesmo na época das mulheres, que é um pouco hoje em dia. A sociedade é estruturada desse jeito, nessa dependência do feminino para o masculino. A mãe, coitada, é uma vítima da época, como todos nós somos hoje.”

Você acha que hoje em dia ainda é sustentada essa ideia de que uma mulher bem-sucedida precisa ter um companheiro?

“Eu acho que isso nunca se desatrelou das mulheres. Essa vida pessoal, esse lar nunca foi desatrelado, tanto que as perguntas são muito assim: ‘E filho?’. São perguntas muito mais voltadas para as mulheres do que para os homens. É muito difícil a gente ver uma chamada em que o homem diz assim: ‘quero muito ter um filho’. Ou: ‘estou louco para engravidar com a minha mulher’. Não tem, é sempre muito para a mulher. Então, esse lar sempre esteve muito entorno do imaginário da nossa sociedade, está mais difícil de desatrelar. Por isso fica com essa expectativa de que não chegou lá, de que não conseguiu tudo, de que falta algum pedaço no quebra-cabeça. Eu acho que ainda temos que desatrelar mais um pouco.”

Com é fazer parte desse núcleo mais cômico?

“Eu acho que a Elisabeta tem esse colorido, ela tem ironia, humor, ela saca todo mundo e, ao mesmo tempo, não é ranzinza, sofrida e amarga. Pelo contrário, ela é para frente, alegre, aberta, ela está observando, sacando e consegue dar a volta em todo mundo. A novela também tem um jogo de time que a gente está colocando que é muito legal, então, os embates com o Darcy são muito ritmados e com a mãe também. A gente está colocando esse ritmo, essa teatralidade que está muito legal.”

O que você precisou aprender durante a preparação para essa novela de época?

“A gente fez aula de etiqueta, também teve um pouco de montaria a cavalo para se reacostumar. Teve também charrete. Acho que foi isso.”

Orgulho e Paixão é uma obra que já teve algumas adaptações. Você buscou referencias nessas produções?

“Eu li o livro. Na verdade, até eu outro dia eu estava falando que fiquei meio assim de ver o filme, não queria muito, preferi me basear nos capítulos e no livro. Mas, eu fiquei com vontade de ver, acho que vou ver, agora já dá. Já gravei 20 capítulos, agora já posso ver o filme (risos).”

Elisabeta (Nathalia Dill) em Orgulho e Paixão
Elisabeta (Nathalia Dill) em Orgulho e Paixão (Divulgação/ TV Globo)

Ao ler o livro ‘Orgulho e Preconceito’, você se identificou com outro personagem? Despertou o interesse em interpretá-lo?

“Não tem como não querer fazer a Elisabeta. Ela é muito viva, está ali sempre observando. Agora, tem o personagem da Jane, que é muito bonito, que é apaixonada, que é o amor. A mãe é maravilhosa também.”

Qual percepção da história você conseguiu tirar ao ler a obra original?

“É um romance muito lindo. Nas entrelinhas você percebe que tem uma grande crítica daquele status, daquela sociedade. Então, a Elisabeta, ainda mais a Elisabeta do Marcos, vem nesse contraponto também. Ela é apaixonada, ela tem amor, só que ela não concorda como a sociedade que é estabelecida. A Elisabeta do Marcos também tem sonhos, quer trabalhar, também quer ver o mundo. Tem a industrialização, as fábricas, os grandes polos crescendo e ela também está vivendo esse momento da transformação.”

O que mais te encantou na personagem? Ela te ensinou a lidar com algumas situações?

“Eu acho que a Elisabeta tem uma perspicácia que é muito legal. Ela me obriga a estar atenta a todos os sinais. Como ela está sempre atenta ao que está acontecendo ao entorno, ela saca todos os personagens, ela também faz com que eu, como atriz, faça isso tanto no trabalho como na vida. Então, eu estou sempre tentando ficar atenta a tudo, as circunstâncias, ao entorno, tentando jogar com isso o máximo possível.”

O que mais te tocou no livro?

“A Elisabeta e o Darcy têm muita segurança, muita certeza de tudo, e os dois quando se juntam se desestabilizam, isso que é bonito, os dois saem do lugar comum. Eu acho que isso é o interessante. Ela não entende direito, ela se apaixona, ao mesmo tempo fica nervosa, não sabe lidar com aquilo. Isso é muito legal, ela que é tão segura, que saca tanto o mundo e as pessoas, quando ele chega, ela fica sem saber lidar com aquilo. Os dois não sabem lidar.”

Você já passou por isso na sua vida pessoal?

“Eu acho que a vida é isso, sempre. Às vezes a gente está sempre olhando para um lugar e não olha para o que tem no lado, aí quando a gente olha, a coisa já está lá super presente. O barato da vida é esse, nada acontece do nada.”

Você curte esse figurino de época?

“Amo, amo. Ele é um pouquinho mais quente que os atuais. Sempre tem mais tecidos, sempre mais encalorado, mas eu gosto, é sempre muito lindo. Você se transporta diretamente para a época.”

Nathália Dill interpretou as irmãs Júlia e Lorena em Rock Story
Nathália Dill interpretou as irmãs Júlia e Lorena em Rock Story (Reprodução)

O seu último trabalho foi interpretando duas gêmeas, que é bastante difícil de fazer. Com essa experiência, você acha que deu um novo passo para a sua carreira?

“Foi uma experiência muito incrível, muito profunda no meu trabalho como atriz. Preparada eu não estou nunca, não me sinto nunca, mas foi uma experiência muito rica. Uma experiência que eu nunca tinha passado, de criar dois personagens e dois jogos diferentes numa mesma novela. O personagem também é criado a partir de sua relação com os outros personagens, a partir dos outros, você também vai criando o seu. Então, quando você faz um outro personagem, você tem que criar um novo jogo com aqueles mesmos personagens. Era muito legal encontrar o Vladimir de um jeito, e depois encontrar ele com outra personagem, e como ele, como ator, iria reagir a elas.”

Você estava produzindo diversos trabalhos ao mesmo tempo. Deu tempo de finalizar tudo? Está respirando mais tranquila agora?

“Eu estava fazendo peça em São Paulo, estava fazendo também um filme que vai estrear daqui a pouco, que é o ‘Incompatível’. Na verdade, o nome vai mudar, a gente ainda não sabe se esse nome vai ficar. E agora estou envolvida com a novela.”

Em algum momento você ficou com medo de ficar rotulada na TV pelo fato de interpretar tantas mocinhas? A vilã Sílvia, que você deu vida em Joia Rara, conseguiu mostrar sua versatilidade?

“Eu tenho a sorte de ter tido várias experiências interessantes, de terem aparecidos projetos na minha vida que foram muitos legais. Eu tenho muito orgulho da minha trajetória, e eu olho para ela (Sílvia) e a acho muito rica, por sorte mesmo de ter aparecido. O trabalho que eu fiz em torno daquilo me deixa muito confortável, não tenho receio de nada que eu tenha feito.”

Algumas atrizes não gostam desse rótulo de mocinha. Qual a sua percepção sobre isso?

“Eu acho que quanto maior o leque o personagem tiver, melhor ele é, independente do lugar que ele ocupa na trama. Se o personagem é rico, tem leque, tem um colorido diferente, tem cores onde você possa puxar, ele é interessante, independente do que ele é. Você pode fazer um personagem chapado, que não tem muita cor, e o que eu mais gosto da Elisabeta é isso. Ela tem um colorido, ela tem um leque de emoções e de cor muito grande. Ela tem humor, drama, romance, ao mesmo tempo ela tem uma ironia.”

Como você analisar a sua carreira no momento? Você já conquistou personagens com personalidades bem distintas, né? 

“Eu não me vejo nunca no mesmo lugar. Em ‘Rock Story’ eram gêmeas, não tinha só a mocinha, tinha a vilã. Em ‘Liberdade, Liberdade’, era vilã. Eu não acho que a minha trajetória seja igual, por isso a reinvenção vem do novo trabalho que chega.”

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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