Responsável por divulgar vídeo, Robson Ramos rebate William Waack e afirma que não foi uma piada idiota: “foi de caso pensado”

Publicado em 18/01/2018

Responsável por causar um dos fatos mais comentados no Brasil, no fim de 2017, o diretor de arte Robson Ramos concedeu uma entrevista exclusiva ao Observatório da Televisão. Foi dele a ideia de compartilhar em uma mídia social o vídeo em que William Waack dispara “é coisa de preto”, durante a cobertura das eleições americanas, em Washington, nos Estados Unidos. O episódio culminou na demissão do jornalista da Globo.

Durante a conversa, Ramos revelou que acompanhou as primeiras manifestações públicas de Waack, depois do fatídico momento, e discorda quando o jornalista define o momento no vídeo como uma “piada idiota”. Para o diretor de arte, o flagrante não foi uma brincadeira e o pensamento foi racista, sim.

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Ele, ainda, deixa claro que acredita que o ex-âncora do Jornal da Globo deveria ter se dirigido ao público na época de maior repercussão e pedido desculpas, admitindo que teve um momento infeliz.

Questionado se ele se preocupou com o linchamento virtual sofrido por Waack, Ramos disse que sim, porém, reafirmou que cumpriu o papel de tornar público um crime. Apontou que, na internet, há muito haters e rebateu quem procura partidarizar o que ele define como luta.

Sobre Waack receber uma segunda chance, ele deu uma resposta positiva, valorizando a trajetória profissional do jornalista. Para ele, são duas coisas diferentes, Waack tem um currículo incontestável, porém, cometeu um ato de racismo, e é essa a grande questão para ele. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.

O William Waack deu uma entrevista recentemente e falou que isso [o comentário considerado racista] é uma piada. Como você enxerga isso basicamente?

Ele falou com as seguintes palavras: uma piada idiota. Eu concordo com ele, tem que pensar uma idiotice muito grande para falar uma coisa dessa. Só parte de alguém que não pensou para falar? Muita gente atribuiu a uma piada, todo mundo faz essa piada. Mas ninguém parou para prestar atenção no contexto histórico. Não foi uma piada. Por vários motivos, não foi uma piada. Poucos jornalistas abordaram esse tema. O William estava em Washington, que é a capital dos Estados Unidos, onde a maioria da população, mais de 60% é negra, são negros ativos. Era a saída de um presidente negro, que empoderou os negros nos EUA e a entrada de um presidente branco, o Trump, que tem uma visão radical em tudo. Então, naquele cenário, do dia a dia, até a equipe chegar, montar as coisas… O negro nos EUA não é igual o negro no Brasil, pacífico… Ele vai para a rua mesmo, ele vai para a rua. Ele vai fazer buzinaço, fazer manifestação, passeata. E aquilo já estava acontecendo no dia a dia, no todo ali, há semanas. Então, quando ele chegou com a equipe dele, para fazer a entrada do jornal, aquele buzinaço… Era um negro dentro do carro. Ele sabia disso, pelo contexto. Então, além do pensamento dele, que ele expôs, tem o contexto histórico que ele passou por cima. Quando ele alegou é coisa de preto, ele sabia que era um negro que estava fazendo aquela manifestação, porque aquilo estava rolando durante o dia inteiro. Então, não foi uma piada, não foi uma brincadeira entre amigos, igual ele falou. Uma piada idiota? Aquilo não foi. Teve um contexto. Por isso, quando as pessoas me procuraram falando que, talvez, a gente poderia estar sendo radical demais, expor o cara, acabar com a carreira do cara, que aquilo foi uma brincadeira. A primeira coisa que disse foi que aquilo não foi uma brincadeira, não foi uma piada, foi de caso pensado.

Ele até fala em um trecho que durante toda a vida dele, ele combateu a intolerância, inclusive, racial. Ou seja, ele reafirma que não é racista. Por que você acha que ele disse tudo isso agora?

É uma maneira de se proteger. Quando a bomba estourou, a primeira coisa que a emissora fez foi preservar ele num todo para que ele não falasse mais besteira. Porque, pelo que todo mundo conhece, ele é um cara que não mede muito as palavras. Então, após o ocorrido, quando ele pode dar voz, após o encerramento de contrato com a Globo, é a maneira de defesa dele. Falar ‘eu não sou racista’. Pode ser que você não seja mesmo. Depois do ocorrido, tomara que você tenha mudado, é o mínimo. Mas, até então, o pensamento, sim, o pensamento era racista, sim.

A Globo te procurou em algum momento?

Em momento nenhum, em momento nenhum. Não entrou em contato nem comigo, nem com o Diego em momento nenhum.

Como é que você enxergou a reação dela no episódio?

Eu achei que foi muito coerente em afastar ele no momento. Muita gente criticou a emissora por ceder a pressões populares. Igual ele mesmo falou na entrevista: há grupos pequenos que fazem barulho. E não é bem isso, não foram pequenos, não. Foi uma grande maioria mesmo.

Ele se referiu em relação as mídias sociais, hoje, que tem um papel importante na comunicação, que vai de confronto com as mídias tradicionais, como a Globo. Ele até chama de ‘guardiões’, né?

Exatamente. Isso é uma questão e atualização. Hoje, a mídia social é parte da mídia tradicional. Assim como ele mesmo afirmou. Uma coisa, hoje, não caminha sem a outra. Você tem que se atualizar. Então, quando ocorreu, a Globo, a primeira coisa que a Globo fez foi realmente afastar, que foi o melhor papel que ela pode fazer ali no momento. A segunda parte já ficou meia esquisita, eu acho que ele deveria ter vindo a público, isso ia ficar muito melhor para ele, vir a público, assumir o que ele falou, bem na bancada onde ele mesmo proferiu a palavra. Ele sairia muito mais ileso do que ter se calado, ter esperado e, depois, dar uma desculpa que também… Se você vir a entrevista dele, fala, fala e não fala nada. As palavras finais dele são ‘eu não mudo meu posicionamento, eu não cedo ao politicamente correto’.

Ele chegou a pedir desculpa para quem se sentiu ofendido.

Sim, chegou a pedir a quem se sentiu ofendido, só que ele se esqueceu de que a maioria das pessoas, no Brasil, é negra. E a maioria se sentiu ofendida. Era muito mais fácil ter vindo a público e falado ‘me desculpe, a maioria da população no Brasil é negra e eu proferi uma besteira, eu falei uma coisa errônea, um pensamento que não mais faz parte da minha vida. Eu nunca fui racista, eu nunca tive problemas raciais na minha vida e eu peço desculpa. Aí, ele veio a público para dizer que foi uma brincadeira, para falar que aquilo ali ele fala entre amigos. Na boa, quem fala entre os amigos, fala na frente das câmeras, fala em qualquer lugar, do jeito que ele fez.

Ele foi afastado da Globo, teve tempo de pensar, de refletir. Rescindiu o contato com a Globo, foi demitido. Foi punido pelo que aconteceu. Ele merece uma segunda chance?

Claro que sim. Como profissional, eu acho que o William é um cara muito capacitado, um dos melhores, não tenha dúvida disso. É um dos melhores jornalistas do Brasil. O contexto profissional dele não tem o que se falar.

Você acha que é o momento de virar a página?

Acho, sim, que ele vai seguir, sim. Deve seguir a carreira dele. Muita gente, nas redes sociais, veio falar que a gente manchou a grande carreira do jornalista. Não, a gente não manchou.

Quem é esse ‘muita gente’ que você se refere?

Os haters. Os haters… Principalmente, os haters políticos. Além de tudo, além de todo o processo que ocorreu do ato do racismo, tem uma parte de política aí, que ele mesmo fala na entrevista dele. Só que ele se refere no nosso contexto, como se o nosso movimento fosse político. Esquece que o nosso movimento não é político. A nossa briga, aqui, não por política. A gente batalha a vida inteira pela equidade racial, diferente de política. Eu nunca tive envolvimento nenhum em política.

Política partidária.  

Política partidária, exatamente. Muito se mistura, quando você expõe um ato desse, a política com preconceito racial, com uma série de coisas e as pessoas não sabem dividir. E a maioria das pessoas, dos haters, que vieram achincalhar a gente nas redes sociais, era de partidos políticos, apontando o dedo na nossa cara falando que a gente era de partido X, partido Y. Em momento nenhum, ninguém levantou bandeira de partido, a gente não participa de partido algum. Foi um ato em prol dos negros do Brasil, como qualquer outro negro faria a mesma coisa. Não teve em momento nenhum, política partidária envolvida, querendo derrubar o cara porque a gente é de esquerda e quer derrubar quem é de direita. Não. Isso é historinha contada e as pessoas acreditaram. E que muitos jornalistas contaram. Muitas pessoas que apoiaram ele, a primeira coisa que falaram em seus canais, grandes jornalistas, a primeira coisa que falara em seus canais ‘isso só pode ser um movimento político, isso é uma armação’. Não, não foi. Eu li muita matéria que muita gente falou que isso foi de caso pensado, quem fez isso não está dormindo. Em momento nenhum. Foi uma denúncia, mesmo. De um crime.

Você se preocupou com o linchamento, nas mídias sociais, que ele veio a receber?

É, de verdade, eu não esperava. Aí, foge um pouco do controle, né?

Muita gente que apoiou vocês.

Exatamente, meu papel era fazer a denúncia. Partindo desse princípio, aí, você lida com todo o tipo de haters e de gente dentro da internet, que fala o que quer e pensa o que quer. E a internet a base dela é basicamente isso. Assim como ela serve para expor um problema, ela serve para derrubar pessoas, derrubar histórias e sair falando o que quer, quem quer. Eu, particularmente, acho que as pessoas, elas tinham que pensar mais antes de falar dentro das redes sociais, e pegaram um pouco pesado, no quesito de pessoa. O problema não é pessoal, eu não tenho problema pessoal com o jornalista e, sim, com o ato que ele fez. Eu não tenho problema com a carreira do jornalista, com o trabalho dele. Ele falou na entrevista ‘a minha obra fala’. Realmente, a obra dele é uma obra incontestável, só que o ato, não. Entendeu? Você separa um projeto de vida que ele se colocou como jornalista de um ato racista, em que você desrespeita o próximo, em que você não respeita o outro. Ele mesmo, na entrevista, falou ‘a minha liberdade vai até onde começa a liberdade do outro’. A partir do momento em que ele proferiu aquelas palavras, ele interferiu na liberdade do outro. Uma piadinha, como ele disse, mas é uma piadinha que o negro escuta bastante.

Ainda sobre essa questão de repercussão, envolvendo a Globo, inclusive, a gente lembra do episódio da Maju Coutinho. A moça do tempo, teve bastante repercussão, também. Foi até criada a hash tag somos todos Maju. Como você vê esse episódio comparando com o do William Waack, em termos de adesão da opinião pública acerca do tema racismo?

É engraçado você colocar esse posicionamento porque muito da posição social gera uma interferência da mídia. Então, quando aconteceu o caso da Maju e a Globo foi a primeira a sair em defesa, nas redes sociais, de sua funcionária foi um ato digno de aplauso. Saíram em defesa de uma negra que é supercapacitada para estar ali. Quando acontecer o contrário, a Globo não poderia deixar de tomar uma atitude cabível. E num contexto social, as pessoas estão muito acostumadas a se engajar nas coisas por impulso, ‘vou lá, vou apoiar’, não sabia a história, não sabia o contexto. Eu vi muita gente, nesse caso do William Waack, dando opinião sem saber nada da história. Então, as redes sociais, elas acabam interferindo bastante nesse quesito, tem muita gente que está ali dentro que não sabe o que fala, não lê do que se trata e sai falando, apoiando e muita gente que apoiou apoia mais.

Para a gente encerrar, que Brasil você imagina considerando todo esse contexto que você trouxe, aqui nessa entrevista? Que você gostaria que existisse.

Eu imagino que eu gostaria de criar um filho meu sem que ele tivesse que passar metade das barreiras que eu passei, sem que eu tenha que afirmar a ele todo dia que ele é negro e que ele tem que ser duas vezes melhor para se posicionar no mercado e na vida. Esse é o Brasil que eu imaginava, não para mim, mas para o meu filho. Porque, para mim, talvez não mude. Já é o que é e a gente vai ter que conviver com isso, ao longo dos anos. Mas, para o meu filho, eu imaginava isso, que a gente pudesse conseguir essa igualdade no todo, que é o mínimo, né? Tanto de cultura, acesso à informação. Num todo, eu acho que se a gente começar na base, a coisa muda. Só que a gente depende de partidos políticos, a gente depende de uma série de coisas que não está interessada que essa situação mude. Mas torçamos, temos fé, vamos em cima, não pode entrar numa mesmice e falar ‘não vai mudar’, então, vamos aceitar. Nosso papel, aqui, é não aceitar jamais.

Assista à entrevista no vídeo abaixo:

 

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