“Não existe carreira sem desafios”, afirma Fernanda Montenegro sobre sua trajetória

Publicado em 31/10/2017

Atualmente na novela O Outro Lado do Paraíso, Fernanda Montenegro dá vida à mística Mercedes, uma mulher que aguarda o fim do mundo, ouve vozes e dedica todo o seu tempo a ajudar a quem dela precisa. A atriz conversou com nossa reportagem, e falou sobre sua personagem, a trama de Walcyr Carrasco, como enxerga o retrocesso no Brasil ao que se refere a arte, e como entende o modelo de produção das novelas atuais. Confira:

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Como é para a senhora fazer parte dessa novela?

A gente não está brincando. Estamos numa posição homérica, no mínimo somos 60 atores, centenas de pessoas entre autores, técnicos, e trabalhamos com muito empenho, pois sabemos que esse é o tributo há uma plateia que vem nos acompanhando pelos séculos afora. Uma novela que tem um personagem rico como esse, entre tanto personagens ricos, colabora para o tipo de história que traz de volta o melodrama, o folhetim e grandes histórias do século 19.

Você acredita que ela vai demonstrar ter visões?

Eu acho que existem diversas formas de demonstrar seu misticismo, mesmo quando você não acredita em nada. No caso do meu personagem, é uma mulher singela, simples, sua emoção é bem descompromissada com qualquer sofisticação ideológica, é a fé do povão.

Mercedes é uma mulher que guarda muitos mistérios. Ela percebe que não vai dar certo para a Clara, mas não vai interferir não é mesmo?

Não, porque a força do amor é algo que tem que ser vivida. A menina prefere arriscar a vida com aquele jovem lindo que ela ama, e uma hora ela vai entender. Há outros lances dentro da novela.

Você é do tipo que segue seu coração?

Passados tantos anos, eu acho que só segui meu coração. A gente não se vê em terceira dimensão (risos).

Sobre o tema da novela, você acredita na lei do retorno?

Se você não aceitar essa ideia de que você tem que ir com a paz para o outro, você não vai conseguir nada. Estamos num momento muito complicado nesse país, o voto do povo foi de paz, e de repente temos uma cambada no congresso, absolutamente rasteira, então aquele voto de paz a caminho de um país melhor não veio. Às vezes isso acontece, se acontece com o país, como não vai acontecer com seres humanos.

Qual sua expectativa em relação à opinião do público sobre a novela?

Acho que eles vão gostar da história porque é muito bem escrita pelo Walcyr (Carrasco), está sendo extraordinariamente bem dirigida pelo Maurinho e pelo Binder. Não é uma festinha de amigos, é tudo muito profissional. É um mercado de trabalho único nesse setor, com essa dimensão e qualidade, só pode dar certo.

No dia do seu aniversário, a senhora falou sobre um teatro de São Paulo que estava fechando. Como é para a senhora no dia que deveria ser de comemoração, ver a degradação da cultura no país?

Eu acho que um país que não tem cultura, não é um país, ele não existe, porque de certa forma até a negação da cultura é uma cultura destrutiva. Precisamos de uma cultura criadora, respeitosa, mas isso não existe nesse país. Não há educação sem cultura, pois é ela que dá carnificação à educação. Uma oficina é praticamente o único grupo de teatro que vem dos anos 50, o último dos moicanos. O que vamos fazer? Lamentável!

A senhora é uma veterana da atuação. Ainda vive algum desafio na carreira?

Não existe essa carreira sem desafio, aliás nenhuma carreira. Paz de espírito é em outro mundo, aqui nessa terra não há descanso. A gente acorda, agradece a Deus, depois dorme e agradece pelo dia que acabou e tentamos melhorar no dia seguinte, se ainda existir o que fazer. Nesse país, amanhã às vezes você vai acordar e não ter mais uma atividade para exercer.

O que você pensa sobre as redes sociais?

Eu não cheguei lá ainda. Eu mal tenho um celular que faz ligações, mas é claro que tem gente que nos comenta, e nos avisa sobre o que estão dizendo. Tem uma hora que me xingam, tem hora que me amam, é uma balança. A ciência e tecnologia botaram a opinião pública no ar, não há mais reservas. Quem ama, ama, quem não ama, diz que não ama, manda para aquela parte, outros te adoram, te colocam no colo e assim vamos vivendo.

Mas a senhora tem uma página no Facebook, não tem?

Eu tenho, mas não sou eu quem mexe, e sim, minha secretária. Quando falam bem de mim, ela me conta, diz maravilhas. Quando falam mal, ela não fala mal. Mas se me contar também, não tem problema.

A gente conhece muito a opinião da Fernanda Montenegro. E a opinião da Arlette?

Eu sou esquizofrênica assumida. A Arlette quando fala, fala através dessa entidade Fernanda Montenegro que se criou. Nunca achei que essa personagem Fernanda iria dar certo, por isso deixo a Arlette Torres resguardada, mas quando chega a hora da futrica maior, ela se apresenta, e queira ou não ninguém sabe quem é a Arlete, porque ela é uma senhora doméstica, agora a outra senhora, essa do mundo, que vive nos palcos deste país vira porta-voz.

Quem é essa Arlette?

Nem eu sei (risos).

A personagem é mística. A senhora se considera mística às vezes?

Eu me considero mística, embora as vezes tenha dúvidas. Há um santo que diz que se você duvida, é porque você já crê. Se você até perde tempo se dizendo ateu e explicando o porque, já está dando importância à crença. O ser humano sempre acredita em alguma coisa.

Vimos o cenário onde será a casa da Mercedes. O que a senhora achou de gravar lá?

Aquele é o meu cenário. É um investimento extraordinário. Um trabalho de arquitetura e cenografia primoroso, e raramente irei sair dali. A gente começa a acreditar que aquilo tem função e vai ter função.

A senhora sente a diferença das novelas antigas para as novelas atuais?

“Total! Acho que está havendo uma necessidade de uma estética cinematográfica, e está se botando de lado o processo televisivo de se contar história. Existe uma luta difícil para quem está enfrentando agora, e colocar uma novela que fica quase 1h30m por noite no ar, que já é um longa. Fazer um longa por dia é complicado. Temos que ver até que ponto vai se aguentar isso.

Isso interfere na sua rotina de gravação?

Até o momento não, não sei no futuro. Não sei como será esse esquema cinematográfico, é a primeira vez que enfrento isso.

Vimos a senhora cumprimentando a Nicete Bruno, e as duas se abraçaram emocionadas…

Nós somos de uma geração tão teatral, começamos nossas vidas nos palcos, somos poucos ainda vivos. Além da sobrevivência que nos une, tem ainda a memoria teatral. A gente quando se encontra vem assim, 70, 80 anos de uma vivencia artística, cultural, e a saudade dos que já foram.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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