“Estamos falando sobre um assunto que a sociedade insiste em cobrir”, diz Carol Duarte sobre transexuais

Publicado em 21/07/2017

Carol Duarte conquistou o público como a doce Ivana, de A Força do Querer. A partir dos próximos capítulos, ela ganhará um novo amigo, Tarso Brant, transexual que inspirou Gloria Perez na criação da personagem Ivana. Em entrevista ao Observatório da Televisão, Carol contou novidades sobre a novela. Confira:

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A Ivana agora vai ser ajudada pelo Tarso. Você teve contato anterior com ele?

Na pesquisa que fiz antes de começar a gravar a novela, conversei com várias pessoas trans incluindo ele, mas de todas, ele foi quem eu tive mais contato, até porque a Gloria Perez também mantinha contato com ele. Depois que comecei a gravar, conversei muito pouco.

Como foi a surpresa de saber que ele entraria na novela?

Eu adorei a notícia, fiquei super feliz. Como ele foi objeto de uma pesquisa minha, a Ivana encontrar ele é muito bonito. Ele foi quem me contou mais coisas, coisas fortes que me ajudaram e estar com ele em cena com a Ivana é muito legal.

A descoberta da Ivana é um momento esperado por você e pelo público. Como está sendo para você pegar esses blocos de capítulos que dão início à transformação?

Eu tenho uma pasta com todas as cenas da Ivana, e o capítulo em que ela descobre está inteiro rabiscado. Eu estava ansiosa para esse momento que vai ser muito bonito. Ainda é novo, então ela entende mais ou menos, porque está entrando nesse mundo só agora. Há uma esperança da parte dela ao perceber que tem pessoas que se sentem como ela. Esse sentimento da Ivana de ninguém entender, e ela não conseguir nominar o que acontece, é uma angústia tremenda, então ela ver alguém que passou por aquilo que ela passou, e a pessoa estar bem, ela vai ter uma esperança que pode ficar bem também. Fiquei muito mexida com todas essas cenas.

Tem essa transformação dela entender o que se passa com ela, e também de tomar hormônios, e até ficar mais agressiva não é?

Acho que vai ter um momento da Ivana, não só com a Joyce (Maria Fernanda Cândido) mas com o mundo, que geralmente diz “não” para essas pessoas. A gente nunca é uma coisa só, dentro da gente existem muitas coisas, e a Ivana também vai descobrir esse lado dela mais impulsivo, não sei se essa é a palavra mas esse lado de enfrentar, porque ela precisa lutar por si, senão ninguém fará. Vai ter um enfrentamento em muitas instâncias, com a família, na rua.

A Ritinha entende ela não é?

A Ritinha (Isis Valverde) é um personagem aberto, ela tem a coisa do sereísmo, é mais aberta ao diferente, oposto da Joyce, que é mais quadrada.

As pessoas te reconhecem na rua?

Se eu saio na rua com essas roupas da personagem, as pessoas me reconhecem muito mais. Se eu solto o cabelo, aí eles ficam “será”?. É engraçado, uma vez eu tava no mercado e veio uma pessoa me perguntar “Você tá bem? Tá se sentindo bem?” (risos). O pessoal está sendo muito receptivo, e torcendo muito pela Ivana, apesar de muita gente não saber ainda que ela é trans. Algumas pessoas chegam perto de mim e dizem “Estou muito feliz que esse tema está sendo tratado”, mas acham que ela é lésbica, mas eu não falo também (risos).

Tereza ( Tarso Brant ) e Ivana ( Carol Duarte )
Tereza Tarso Brant e Ivana Carol Duarte

Saiu em um site que você já estaria fazendo teste no rosto para a transformação da Ivana. Como é isso?

A Gloria e o Papa estão analisando isso tudo porque precisa ver na dramaturgia como isso vai acontecer. Não tem nada fechado, se vou precisar mexer no cabelo ou fazer outra coisa. A Gloria está escrevendo passo a passo, mas estou preparada para o que tiver que acontecer.

A Gloria usa muito a realidade como base. Aconteceu recentemente o caso de um homem trans que casou e acabou engravidando, e muita gente já se tocou que a Ivana também pode engravidar no final. Você descarta isso?

Eu acredito que a Ivana e o Claudio (Gabriel Stauffer) têm um amor e uma parceria muito bonita, mas essa pergunta podia ser pra Gloria (risos).

A Gloria está construindo essa história de forma muito delicada. Existia uma preocupação se a personagem seria bem aceita. Você acredita que por essa construção foi o motivo pelo qual caiu tão bem no gosto do público?

Sem dúvida. Tudo é mérito da construção da Gloria, que apresentou as questões mesmo antes da personagem saber o que é, e mostrar que essa pessoa não está escolhendo ou está com mimos para não enfrentar. Não é fácil, e ninguém escolheria isso. A Gloria vai caminhando com o público e nós atores vamos descobrindo junto o que está acontecendo com a Ivana. Muita gente chega pra mim e diz: “Ela precisa parar de sofrer”, e isso me emociona porque precisamos entender, se somos o país que mais mata trans no mundo, isso tem que acabar. Eu gosto de ver que o público torce pela Ivana, porque quando tudo vier à tona, ele vai ter a possibilidade de repensar certas coisas, como falas, piadas, provocações, e isso é horrível. Existem histórias terríveis de violência corretiva, o que é bizarro.

E sempre vemos isso em contraponto com a história do Nonato né?

É uma travesti, é diferente, e a Gloria cola as cenas deles.

O Brasil é o país onde mais os LGBT se suicidam também. Você acredita que essa personagem pode ser o início para uma mudança nesse aspecto?

Eu espero. Eu recebo algumas mensagens de garotos que estão fazendo a transição e se sentem bem de não estarem sozinhos, de alguém estar falando sobre isso, e que a família está começando a falar sobre. E o que estamos fazendo é jogar à tona algo que a sociedade insiste em cobrir. Uma dessas mensagens que recebi dizia “Meu horário de sair de casa é depois das 7 da noite, porque já está escuro”, e isso foi muito forte para mim. O índice de suicídio é alto porque eles têm que se descobrir, e a sociedade diz que é errado, e que é uma aberração. A única coisa que a gente tem no mundo é a gente mesmo, vamos morrer só com a gente mesmo. Se eu não consigo sair na rua, se a sociedade não me aceita, acabou. A pressão é muito grande. Vi uma reportagem dia desses de um homossexual que se suicidou se jogando de um prédio, e as pessoas ainda ficaram em volta tirando fotos, é uma coisa monstruosa.

Você conversou muito com o Tarso e se inspirou nele para fazer suas cenas. Você se sentiu com mais estofo para poder fazer as cenas mais difíceis como a emblemática cena do espelho em que a Ivana bate nos seios?

Quando eu faço essas cenas, eu tenho a sensação de ser um compilado de muitos depoimentos, mesmo daquelas pessoas que não conversei. É uma energia muito forte. Não penso em alguém específico, penso na Ivana e no que estou fazendo ali. Essa ação de bater no peito e sentir isso tudo, quando termino a cena penso que isso pode estar acontecendo com alguém em algum lugar nesse momento, e não é fácil.

É o papel mais difícil que você já fez?

Eu vou falar que é esse porque vivendo isso agora, mas não sei se é esse. Cada um tem sua complexidade, mas como nunca tinha feito novela, esse é um personagem muito longo, de uma intensidade muito grande. Como é uma obra aberta não sei o que vai acontecer, mas estou vestida de Ivana 9 horas por dia, inclusive uso a faixa todos os dias, e isso tudo me faz chegar em casa e respirar.

O que os seus pais falam sobre isso?

Meus pais estão super orgulhosos. Ela trabalha em frente a uma banca de jornal e ela compra tudo. Ela tem uma pasta com plástico, onde ela guarda e mostra pra todo mundo. Fico feliz porque essa discussão sobre transexualidade chega até eles, meu pai inclusive foi pesquisar, e tem muitas pessoas que são preconceituosas que chegam para falar com ele, e ele discute. Meus pais compraram a causa.

Na primeira vez que te vi na coletiva da novela, você parecia estar apreensiva. Agora que a Ivana já foi bem aceita pelo público, é perceptível que está mais tranquila. Você consegue perceber isso em si mesma?

Eu estava nervosa, porque era a primeira vez que eu estava lidando com isso tudo, com coletiva, e festa de lançamento da novela. Era uma mistura de muita coisa, tipo “Nossa, o que está acontecendo?”. A Ivana estava construída, mas estava se ajustando, depois que foi pro ar, a recepção foi bacana, mas não me engano também, ainda mais agora que tem coisas para acontecer, então é um trabalho que tenho que estudar.

Você é muito concentrada. Sempre que passamos por aqui você estava dentro da personagem…

Eu não consigo sair. Tem muito ator que consegue e eu não consigo dispersar do personagem.

Diferente da família do Tarso que o acolheu, a Joyce não vai acolher tão bem a Ivana. Como vai ser isso?

Pois é, não sei como vai ser. A Joyce nem tem conhecimento sobre o que é, porque não é do universo dela, vive de outra maneira, e tem outro tipo de sociabilidade. Vai ser muito difícil, e minha torcida particular é que como o amor e o diálogo existem, é possível conviver com o diferente, isso a gente precisa pensar na sociedade também. Se o tempo todo ficarmos pisando, será um nazismo, e minha esperança é que elas se unam.

A gente percebe que a fama não mudou você…

Eu estou bem tranquila. Faço tudo o que sempre fiz. As pessoas me reconhecem, eu fico feliz mas não mudou minha vida. Quando vou pra São Paulo eu ando de metrô, do mesmo jeito que eu fazia antes. Mas minha família me deu muita base também, e eles são meu tudo.

*Entrevista realizada pelo jornalista André Romano.

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