Dica de série: se você tiver só uma opção para maratonar, não deixe de ver Okupas, que entrou recentemente no catálogo da Netflix. Totalmente produzida na nossa vizinha, Argentina, mais precisamente em Buenos Aires, a história sobre quatro rapazes abnegados e sem teto que se abrigam num imóvel abandonado (mas nem tanto) no centro da capital portenha é tão bem contada que mal se percebe o passar dos 11 episódios.
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Muito já se falou e viu sobre a qualidade do cinema argentino. Sem orçamentos milionários nem produções mirabolantes, os hermanos ao lado conseguem cativar com histórias comuns contadas de um jeito muito atraente. O segredo está sempre no roteiro, invariavelmente muito bem elaborado por escritores que transformam a complicação da vida em situações simples e diálogos diretos. Ninguém fica cinco minutos com a câmera parada filmando uma mesa num filme argentino — ainda que a luz do sol vinda da janela estivesse belíssima!
Em Okupas, não é diferente. O ponto de partida é o drama pessoal do rapaz loiro e bem nascido que não se encaixa na sua vida burguesa de estudante de medicina e morador do bairro chique de Palermo (uma espécie de Higienópolis de Buenos Aires). Ele tenta viver com a avó quase esclerosada, até que aceita ocupar um imóvel da própria prima, mulher bonita e bem-sucedida.
O fato de o protagonista ser Rodrigo de La Serna (o Palermo, da terceira temporada do sucesso La Casa de Papel) no seu início de carreira torna tudo ainda mais atraente. O jovem descobre o deleite de ser um “vida louca” com os amigos no centro da cidade. A dor virá depois.
Tudo é muito cru e real, a sujeira e a quebradeira das locações parecem autênticas, mas as cenas não geram repulsa, apenas mais curiosidade. Ninguém exalta a pobreza nem estetiza a miséria, que é simplesmente apresentada no melhor estilo a vida como ela é.
Embora seja de 2000, a produção parece atualíssima. Quem visitou Buenos Aires mais recentemente percebe que pouco mudou na cidade – desde os velhos carros de táxi até as construções do centro.
O personagem de Rodrigo vai atraindo para o seu novo lar os amigos que juntou pelo caminho, todos rapazes perdidos na vida e nos vícios da cidade grande. Ao quarteto, se une um cão vira-lata que os acompanhará por toda a série. A identificação é imediata.
Os embates e relacionamentos com a vizinhança problemática, com a polícia, com novos invasores e também com a criminalidade da metrópole e dos seus arredores vão se desenvolvendo. Há boas cenas da periferia de Buenos Aires, com idas à região de La Boca (onde fica o lendário estádio do Boca Juniors) e até a uma cidade de praia feia. A série foi originalmente feita para a televisão da Argentina, mas é fácil perceber como ela pode ser muito bem compreendida em qualquer país da América Latina.
O melhor de Okupas é que não há nenhum discurso político adjacente, não se prega uma ação orquestrada, não há projeto de poder. Os dramas pessoais e as pequenas contravenções do dia a dia são tratados na sua individualidade, como é a vida de cada um.
O tom dramático da história, com inevitáveis aspectos cômicos inerentes aos personagens, é entrelaçado por paixões e dores. E,ainda que o rock and roll seja a (boa) trilha sonora da produção – o trabalho exigiu remixagem do som original para esta versão no streaming –, Okupas soa como um autêntico tango argentino.
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