Diversidade

Especial da Globo acerta ao focar na aceitação do LGBT na própria família

Falas de Orgulho, disponível agora no Globoplay, aborda dramas da vida real

Publicado em 01/07/2021

A família é a base de tudo e também na vida das pessoas da comunidade LGBTQIA+. Esse é o fio condutor do bonito especial Falas de Orgulho, que foi exibido na noite de 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBT. Para quem não assistiu, o especial está disponível para não assinantes no Globoplay.

A trilha sonora é linda, com Queen, George Michael e Milton Nascimento; até um clipe final glamouroso com Pabllo Vittar e Johnny Hooker. Aliás, todo o tratamento estético é primoroso no especial.

Roteiro, enquadramento, ambientação – tudo foi merecedor de cuidados, num programa bem encadeado e dirigido, voltado para histórias pessoais e muito particulares de personagens reais.

Não é um episódio do extinto programa Amor e Sexo, carregado de show, glitter e entretenimento. Em Falas de Orgulho, o que se privilegia é a individualidade. São dramas humanos, acima de tudo, que merecem ser abordados com sensibilidade e sem sensacionalismos – deles já estamos saciados nos noticiários policiais.

Tampouco é uma produção com discursos políticos, de ativismo ou militância sexual. Não se tenta impor orientação de gênero a crianças e jovens nem a ninguém, não se pleiteiam cotas, tratamento diferenciado, privilégios ou qualquer outra ação — essas são algumas acusações que tanto vêm alimentando a contraofensiva de setores radicais muito à direita da sociedade, e também de alguns segmentos religiosos fervorosos, que combatem a legitimidade das pauta dos LGBT’s.   

O especial vale muito ser visto, principalmente por quem nutre algum preconceito ante pessoas que se sentem diferentes e que precisam impor-se na sua orientação sexual. É preciso saber ouvir e entender os motivos que levam essas pessoas a ostentarem com tanto orgulho sua condição, uma vez que – como diz a canção — cada um sabe a dor e a beleza de ser o que é.

Já quem é adepto de um tipo de discurso extremista, que sempre acusa a TV Globo com suas novelas de atentar contra os valores da família brasileira, vai achar aqui mais razão ainda para criticar a emissora e sua programação de dramaturgia. Dois dos personagens abordados citam nominalmente novelas da emissora como relevantes para o processo de explicação e aceitação na sua família.   

Basicamente, a questão familiar une todas as histórias contadas: a dor maior sempre presente quando não há compreensão e entendimento entre os parentes próximos e a importância que esse apoio dá a esta comunidade. A não aceitação por parte da sociedade é uma etapa também muito injusta e dolorida, e é essa que o ativismo dos LGBTQIA+ combate diuturnamente, pleiteando reconhecimento em todas as esferas da cidadania e da atividade econômica.

Quem nunca soube de história de um LGBT que teve de sair de casa cedo, batalhar a vida sem apoio familiar e lutar por reconhecimento no mundo dos estudos e do trabalho? Não raro, após muito esforço, vencem na vida e acabam sendo o único socorro financeiro na velhice dos pais que tanto os desprezaram.

Willma e Ãngela em Falas de Orgulho
O casal de lésbicas Willma e Ângela em Falas de Orgulho Foto DivulgaçãoTV Globo

No especial Falas de Orgulho, são personagens reais: Richard, homem transgênero; Mariana Ferreira, médica e bissexual; Ângela, enfermeira aposentada e lésbica; Geisa Garibaldi, mãe, lésbica e trabalhadora em serviços de obras; Sasha, drag queen e maquiador gay; Mário, gay e policial civil na Bahia; Ariadne Ribeiro, mulher trans e funcionária da ONU (Organização das Nações Unidas); e o barraqueiro de praia Maycon, bissexual e morador de favela.   

Novela da vida real

Richard tem apenas 24 anos e explica como a história da personagem Ivana (que virou Ivan), vivida por Carol Duarte na novela A Força do Querer, de Glória Perez, o ajudou a se entender e a explicar sua condição para a mãe em casa. “A novela mudou a minha vida, literalmente. No começo, eu via a Ivana e pensava ‘nossa, isso já aconteceu comigo’. E a cada fase que o personagem foi passando, eu me sentia representado. Eu assistia à novela com a minha mãe e até ela conseguia me reconhecer naquela história. Foi assim que me descobri um homem trans e procurei por tratamento hormonal“.

A cena em que os homens de sua família dão apoio na sua primeira aparição em público sem camisa com os seios (ainda não operados) cobertos em esparadrapos é um dos momentos mais singelos de todo o especial.

Em pleno desfruto da melhor idade, a enfermeira aposentada Ângela, 69 anos, quer se casar com Willma, a companheira de 26 anos, numa situação que também não tinha aceitação da família. E é ela quem relembra da importância do relacionamento entre as personagens vividas por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg na novela Babilônia (de Gilberto Braga), que ajudou a superar essa barreira. Em 2015, ela deu uma entrevista para o Portal G1 falando sobre o relacionamento do casal na novela e foi assim que os familiares souberam de sua condição de lésbica.

A história das idosas é tratada com muita sensibilidade, assim como o perfil da mãe solteira, lésbica, negra e trabalhadores braçal Geisa, retratada em sua casa e que demonstra todo o carinho com o filho pré-adolescente.

Sasha, drag queen, emociona ao contar o duro processo de aceitação na família, diante de uma avó severa e extremamente religiosa.

Na ONU

Outra história de vida, que choca por tantos elementos que poderiam ter indicado um final trágico, é a de Ariadne Ribeiro. Vítima de seguidos atos de violência na escola e rua, ela foi estuprada na juventude e ficou portadora de HIV. Hoje, após fazer mestrado e doutorado, é assessora de apoio comunitário do Unaids (programa da ONU para o fim da Aids), admitindo que tem orgulho tanto para si mesma quanto para a família. Por fim, tem a história de Maycon, mais marcada pela situação de pobreza do que pela questão da sexualidade.

Ariadne em Falas de Orgulho
Ariadne mulher trans em Falas de Orgulho Foto DivulgaçãoTV Globo

Não por acaso, ao final do especial, os créditos mostram que boa parte da equipe também revelou sua condição de sexualidade, com vários se identificando como LGBT’s. A direção artística é de Antonia Prado, direção de Washington Calegari e roteiro assinado por Carlyle Junior, com produção de Beatriz Besser. Rafael Dragaud é o diretor executivo e Mariano Boni, diretor de gênero.

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de sua autora e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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