Escrava Mãe tem todos os elementos para conquistar o telespectador

Publicado em 01/06/2016

Quando se trata de teledramaturgia produzida pela Rede Record de Televisão, devemos nos atentar. A emissora vive hoje, uma fase de euforia pelos bons resultados obtidos pela novela Os Dez Mandamentos, mas bons resultados não são sinônimo de qualidade – basta notar que grandes obras que ganharam prêmios internacionalmente já foram consideradas fracassos em audiência – e essa montanha russa de altos e baixos reflete diretamente naquilo o que se espera de uma novela.

A Record tem produzido novelas de forma desordenada, tentando seguir a cada época um nicho, sem se atentar às diversificações de público existentes. Relembrando: Com o sucesso de A Escrava Isaura, veio Essas Mulheres (novelas de época baseadas em romances clássicos da literatura brasileira), de Prova de amor vieram Alta Estação e Vidas Opostas (novelas com pano de fundo policial), e de Os Dez Mandamentos veio Os Dez Mandamentos – Nova Temporada (novela bíblicas), fazendo adiar por duas vezes a estreia de Escrava Mãe, gerando revolta em alguns dos seus principais atores.

A novela que estreou nesta terça-feira, dia 31 de maio de 2016 já carrega a notoriedade de ser a primeira novela brasileira produzida com a tecnologia 4k (que permite o dobro da resolução Full HD – tendo 3840 x 2160) pela produtora de cinema Casablanca e filmada em Paulínia, interior de São Paulo, mesmo lugar onde foi filmada sua irmã mais velha A Escrava Isaura.

Escrava Mãe funciona como um prequel de A Escrava Isaura, narrando a trajetória de vida de Juliana (Gabriela Moreyra), a escrava que é mãe da personagem título do romance de Bernardo Guimarães. Mesmo que o horário não permita um enredo carregado em profundidade que traga à tona a história dos negros comercializados no Brasil naquela época, é importante uma novela que ressalte isso, pois infelizmente mesmo estando em 2016 vemos diariamente diversas demonstrações de preconceito racial inclusive contra pessoas públicas. A história se inicia em 1789, no ritual de casamento entre Luena (Nayara Justino) e Kamal (Marcelo Batista), casal africano que pouco depois do matrimônio, é capturado e vendido como mercadoria para senhores de escravos em terras brasileiras. Kamal é o personagem que age no primeiro capítulo como âncora para os enredos que se seguem. Ele é o herói tradicional, que luta com honra e justiça tanto pela felicidade da amada quanto pela sobrevivência dos seus. Toda as sequências envolvendo o personagem foram muito bem filmadas, produzidas e sonorizadas. É notável, entretanto a falta de experiência de alguns atores, deixando na tela uma interpretação um tanto teatral. Os diálogos dessas primeiras cenas vieram embalados de desnecessárias explicações como por exemplo para onde os escravos iriam, ou como estavam vivendo, sendo que já estávamos vendo isso na tela.

Numa história narrada sobre seu nascimento, Tia Joaquina (Zezé Mota) conta à Juliana que ela é realmente uma escrava, jogando um balde de água fria na menina que acreditava que por ter a pele mais clara, poderia ser filha do Coronel Custódio (Antonio Petrin), seu senhor, quando na verdade ela é fruto de uma violência cometida por Osório (Jayme Periard).

Juliana parece ser uma personagem escrita às sombras das mocinhas das novelas mexicanas. Mesmo sendo uma escrava, vivendo uma vida de privações, mantem sonhos inclusive os românticos, e se encanta à primeira vista por Miguel (Pedro Carvalho), rapaz português, bem educado, que aparece na cidade a princípio a procura de um trabalho.

Dos outros personagens que compõem Escrava Mãe, o destaque fica por conta do embate entre as filhas do Coronel Custódio, Maria Tereza (Roberta Gualda) – que tem bom coração e sonhos românticos, sempre imersa em seus livros, possui uma deficiência na perna e é muito amiga de Juliana, tratando-a sempre de igual para igual – E Maria Isabel (Thaís Fersoza), a irmã má e egoísta, que ganha o título de vilã juntamente com Fernando Almeida (Fernando Pavão), um homem de caráter duvidoso, e financeiramente falido que recebe a proposta de se casar com Maria Tereza em troca de um grande dote.

O roteiro da novela é redondo, mas não primoroso. Traz consigo um dos maiores (e mais chatos) erros cometidos por quase todas as tramas de época: O didatismo, que nesse primeiro capítulo ficou concentrado nas falas de Miguel ao aborda a chegada da família real portuguesa, seu desembarque, aparência entre outros. Além disso é perceptível pelo texto o esforço de fazer com que o telespectador reconheça de imediato quem é bom e quem é mau, trazendo muito pouco do aspecto surpresa.

Tecnicamente, por ser uma novela produzida fora dos estúdios da Recnov, tudo funciona muito bem, mas para quem esperava uma novela bonita esteticamente, com ares cinematográficos se decepcionou, pois na tela o resultado (pelo menos do primeiro capítulo) não passou de comum. Inclusive um recurso muito utilizado no cinema (e atualmente na TV) que é a utilização da sombra dura, foi deixado de lado para dar lugar à aparência mais chapada dos folhetins tradicionais.

Esse tradicionalismo ficou presente em diversos momentos, tanto nas inserções visuais de textos (alguns com fontes mal escolhidas para a tela, diga-se), como transições de cenas, e trilha sonora. Não consegui me sentir tocado ou torcer pelo casal protagonista nos devaneios de Juliana ao som de “Como Vai Você?” versão sertaneja. Por falar em trilha sonora, não poderia deixar de citar a música Retirantes do Dorival Caymmi, em clara alusão à A Escrava Isaura. Entendo que a música é icônica, porém aqui ela ganhou um ar de pretensão, melhor deixá-la somente nas novelas do passado.

Escrava Mãe tem todos os elementos para conquistar o telespectador do horário, basta a Record respeitar este horário já que logo no primeiro capítulo, a trama teve um atraso de 17 minutos do horário divulgado para seu início.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade