Sangue frio

Amor de Mãe vira hora do pesadelo no horário nobre

É como se uma trágica série do cinema de terror que abalou muitas juventudes voltasse toda noite

Publicado em 02/04/2021

Passada a empolgação inicial com a volta de capítulos inéditos de Amor de Mãe e com seu contexto atualizado diante da pandemia, a novela se transformou numa espécie de versão da Hora do Pesadelo. É como se a trágica série do cinema de terror que abalou muitas juventudes voltasse toda noite no nosso horário nobre.

A mão da autora, Manuela Dias, pesou demais na escrita de cenas notadamente fortes, numa sucessão de acontecimentos macabros que só conseguem nos abalar mais e mais a cada dia.

Não bastasse a novela entrar no ar imediatamente após o triste noticiário do Jornal Nacional, somos brindados também na ficção com um choque diário de acontecimentos chocantes até para quem ama filmes de terror.

Quem aguenta tanta tragédia? A saber: assassinatos, atropelamento e fuga, moça na cadeira de rodas, bebê operado em emergência, idoso na UTI sufocado com Covid, morte de bandido em ação policial, enfermeira acometida com Covid, mãe com câncer, fuga de presídio, criança doente, mais assassinato, rapto, corpo derretido com ácido, exame de DNA com chumaço de cabelo, funeral online, violência contra a mulher, cativeiro, fuga de cativeiro, retorno ao cativeiro, pedido de divórcio, arma escondida, enjaulamento humano, casa com alagamento, atentado a bala, envenenamento… Ufa!

Mas quem iria imaginar?

Obviamente, Manuela Dias não poderia ter previsto que na volta da sua novela o Brasil estaria em situação de pura tragédia. Como a própria autora vem se justificando no Twitter nesta retomada, ela não tinha como saber que a novela voltaria a ser exibida no pior momento da pandemia. “Quando escrevi essas cenas em julho/agosto nunca imaginei que quando fossem ao ar teríamos 3.650 mortes em um dia…”, ela escreveu no seu perfil dia destes.

Em outro momento, Manuela contou também no Twitter que ela mesma vivenciou um velório em formato virtual, tal como na novela: “Eu vivi o funeral online da minha vozinha que eu perdi de Covid…”, escreveu a autora da novela.

A seu favor, lembremos que a trama teve suas gravações interrompidas há um ano, e quando os trabalhos foram retomados, Manuela foi encarregada de encerrar sua história em pouco mais de 20 capítulos. Era claramente muito assunto pra resolver em pouco tempo.

Assim, a avalanche de acontecimentos terríveis num curto espaço de tempo deu no que estamos vendo. Jamais saberemos se em condições normais esse teria sido o desenrolar da história.

Por mais que nossas telenovelas sejam feitas de modo a retratarem nossa realidade social, sabemos há tempos que a Globo sempre norteou as suas novelas por pesquisas de opinião.

Em sendo uma obra aberta, ao longo do período de gravações uma atração que tradicionalmente fica mais de seis meses no ar poderia ter uma correção de rumo ao longo de sua exibição. Isto não foi possível desta vez.

Mas pensemos que, mesmo num mundo sem pandemia, já seria difícil encarar um roteiro mais parecido com os noticiários de polícia e tragédia do que às tramas de romance e aventura que também são esperadas em nossos folhetins.

Ainda bem que direção e os artistas em cena estão conseguindo na maior parte dos casos dar dignidade a um enredo tão trágico. “Não permita exageros na atuação. A novela na TV é a arte dos gestos sutis”, ensina o curso de produção de filme e vídeo da BBC (livro ‘On Camera’, de Herris Watts, Summus Editorial), um belo manual prático para amantes do gênero.

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de sua autora e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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