Análise

Sem pressão pela cor, Aline Midlej tem ótima estreia no JN e crava lugar na Globo

Apresentadora da GloboNews consolida espaço aberto por Maju Coutinho e Aline Aguiar

Publicado em 18/09/2021

Aline Midlej não foi a primeira nem a segunda apresentadora negra do Jornal Nacional, e isso foi muito bom para seu ótimo desempenho em sua estreia no principal noticioso da televisão brasileira, neste sábado (18). Sem a pressão da representatividade, a jornalista mostrou por que tem torcida e competência para deixar a TV paga e se firmar na Globo.

O recorte racial desta análise tem como objetivo mostrar como a Globo finalmente normalizou a presença da mulher negra no Jornal Nacional, e como foi positivo para Aline Midlej esperar este momento para brilhar na bancada do telejornal.

Destaque da GloboNews desde 2016, Aline ganha elogios pelo jeito leve e, ao mesmo tempo, assertivo com o qual transmite as notícias. É a profissional ideal para o estilo de jornalismo preferido dos telespectadores, em que apresentadores e repórteres trocam a rigidez por um pouco de informalidade e conversam com quem está na frente da TV. Com Aline, o público se sente, além de bem informado, acolhido, fator fundamental para a fidelização da audiência.

Aline Midlej no Jornal Nacional
Aline Midlej no Jornal Nacional ReproduçãoTV Globo

Também foi na GloboNews que os assinantes descobriram o ativismo de Aline Midlej, principalmente na causa racial. No histórico Em Pauta de 2 de junho de 2020, com seis jornalistas negros reverberando os protestos pelo assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, a apresentadora revelou ter sofrido racismo na vida íntima e na carreira profissional. Na Record (da qual não citou o nome), foi aconselhada pelo chefe a alisar o cabelo.

Aline migrou para a Band, onde cresceu como repórter e âncora. Entretanto, uma dança das cadeiras tirou a apresentadora da bancada do Café com Jornal. Rebaixada, saiu da emissora para construir uma nova fase na GloboNews. O próximo passo, naturalmente, seria a Globo. E ele foi dado.

Queridinha do público nas redes sociais, Aline comandou ao lado do também estreante Paulo Renato Soares uma edição difícil do JN, encerrada em silêncio pela triste marca de 590.547 vidas perdidas em razão do coronavírus. Tiago Scheuer foi o único que quebrou o protocolo durante a previsão do tempo ao dar boas-vindas à dupla.

Encerramento do Jornal Nacional com Paulo Renato Soares e Aline Midlej ReproduçãoTV Globo

Terceira mulher negra à frente do JN desde 1969, Aline Midlej levou para a Globo mais do que sua luta na profissão e sua cor que tanto inspiram as pessoas. Ela acelerou o processo de normalização de corpos negros, maioria no Brasil, em um telejornal ainda dominado por brancos. Até fevereiro de 2019, apenas Heraldo Pereira havia representado a maior parcela da população (56%, segundo o IBGE) na bancada do noticioso.

Quando a Globo anunciou Maria Júlia Coutinho no JN, houve duplo estardalhaço: o positivo, de ativistas e telespectadores negros que finalmente se sentiriam pertencentes ao JN, e o negativo, de racistas incomodados com a presença de uma negra pela primeira vez na bancada (e menosprezando o feito com mentiras como a de que Zileide Silva e Gloria Maria já tinham ocupado o mesmo posto).

Durante cerca de uma hora, Maju foi a mulher mais vista da TV, a responsável por informar corretamente as notícias do dia à população. Se errasse, os racistas diriam: “Tinha que ser preta”. Para tristeza deles, Maria Júlia foi perfeita. Dona de um carisma ímpar no jornalismo da Globo, conduziu o noticioso sem transparecer nervosismo.

Sob os ombros de Maju, entretanto, pesavam a responsabilidade de orgulhar milhões de mulheres pretas e a angústia de sofrer quaisquer ofensas preconceituosas, das quais é alvo pelo menos desde 2015, quando estreou na previsão do tempo do JN.

Ser a primeira é motivo de honra, mas também tem seus riscos e fardos. Maju trilhou um caminho mais leve para a segunda mulher negra no telejornal. Aline Aguiar deu conta do recado ao representar Minas Gerais nos 50 anos do JN e, na sequência, foi efetivada no rodízio de apresentadoras.

Aline Midlej encontrou uma bancada menos espinhosa e mais acolhedora, da mesma forma como ela trata seus espectadores na GloboNews. A nova titular do Jornal Nacional aos sábados ajudou a pavimentar o percurso para novas colegas, até o dia em que uma mulher negra no JN não seja notícia. Com mais negros nas universidades, nas redações e nos cargos de chefia, a presença de Maju e das duas Alines no principal telejornal do país deixará de ser exceção.

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