Coberturas distintas

Record destaca protestos contra Bolsonaro na TV, mas despreza na internet

Nas redes sociais, Jornal da Record noticiou que manifestantes pediam "prorrogação do auxílio emergencial"

Publicado em 30/05/2021

Os protestos pelo Brasil contra Jair Bolsonaro, no último sábado (29), ganharam espaço em sites, jornais e na TV, ainda que de forma tímida. O Jornal da Record foi um dos telejornais mais criticados nas redes sociais por ter, supostamente, desprezado a principal motivação dos atos (vacina para todos e impeachment do presidente). De fato, na internet, a Record minimizou a manifestação, porém na TV a cobertura foi, estranhamente, exemplar.

Assista ao trecho abaixo do Jornal da Record (a partir do minuto 27’40) e preste atenção ao texto lido pelo apresentador Eduardo Ribeiro enquanto eram exibidos trechos de protestos por algumas capitais do país (no jargão jornalístico, este material se chama nota coberta, com uma locução narrando imagens sem repórter):

“Pelo menos 16 capitais do país e várias cidades do interior registraram hoje protestos contra o governo federal. Em Brasília, os manifestantes se concentraram em frente ao Museu Nacional. Em seguida, percorreram a Esplanada dos Ministérios. O grupo se dispersou logo depois do meio-dia. Ainda pela manhã, houve manifestação na região central do Rio de Janeiro. O grupo pedia vacina para todos. Durante a caminhada, houve aglomeração. Em Recife, a manifestação que seguia pacífica terminou em confronto com a polícia quando um grupo tentou tentou seguir por um trajeto não autorizado. Em Campo Grande, os manifestantes mantiveram o distanciamento enquanto caminhavam perto da universidade federal. O protesto em São Paulo foi à tarde, na avenida Paulista. Os manifestantes se concentraram em frente ao Masp. O trânsito foi interrompido nos dois sentidos por algumas horas.”

A reportagem, de 1 minuto, contextualizou o motivo para brasileiros saírem às ruas (“vacina para todos” no Rio de Janeiro) e citou aglomeração (uma crítica válida e presente na cobertura de quase todos os veículos de comunicação). O Jornal da Record destacou até mesmo o distanciamento social respeitado em Campo Grande, protocolo de segurança ignorado por outras emissoras. Então, qual a razão das críticas?

A resposta está no site do Jornal da Record e no perfil do noticioso no Twitter. “Pelo menos 16 capitais registram manifestações a favor da prorrogação do auxílio emergencial”, publicou a emissora ao divulgar o trecho do telejornal na internet. O baixo valor do benefício distribuído pelo governo federal, que também motivou os protestos, sequer foi mencionado na reportagem para a TV.

O tweet ganhou repercussão negativa imediatamente. Seguidores lembraram que a Record apoia Bolsonaro, inclusive com um partido próprio (Republicanos, fundado por bispos da Igreja Universal do Reino de Deus). Houve quem comparou o tweet à criticada cobertura do Jornal Nacional no ato das Diretas Já, em 25 de janeiro de 1984, chamado de “festa” pelo aniversário da capital paulista. “Dia de festa em São Paulo. A cidade comemorou seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé”, disse o apresentador Marcos Hummel, atualmente na Record, antes do início da reportagem.

Em 2020, a alta cúpula religiosa que comanda a emissora interveio politicamente no departamento de jornalismo, perseguindo e demitindo opositores do presidente e intensificando a cobertura positiva do governo. O Jornal da Record, por exemplo, divulga o número de recuperados pela Covid-19 (tática bolsonarista para desprezar as vítimas da pandemia).

Há duas hipóteses para a Record ter minimizado na internet os protestos contra Bolsonaro. A primeira é proteger o presidente, embora a relação entre emissora e governo esteja estremecida pela falta de apoio federal na expulsão da Igreja Universal em Angola. A segunda é mais “técnica”: atrair críticas para conseguir engajamento, palavra tão importante nas redes sociais. Engajar um conteúdo na web é conseguir gerar repercussão e, consequentemente, cliques. Pode-se dizer que os manifestantes “morderam a isca”.

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