Exclusivo

“Passaporte para Liberdade levou um mês e meio para ser dublada”, diz diretora

À coluna, Maíra Góes revela pedido de Sophie Charlotte e elogia Rodrigo Lombardi em série da Globo

Publicado em 30/12/2021

A diretora de dublagem Maíra Góes finalizava o último episódio de Passaporte para Liberdade quando a coluna a entrevistou a série, que termina nesta quinta-feira (30) na Globo. Gravada totalmente em inglês, a primeira coprodução da emissora com a Sony Pictures Television só pôde ir ao ar com uma versão brasileira. Coube à experiente profissional, com mais de duas décadas de carreira, o desafio de fazer Sophie Charlotte e Rodrigo Lombardi, entre outros astros da nossa TV, voltarem a falar português.

Passaporte para Liberdade foi dublada a toque de caixa, o que não significa que houve menor empenho. Pelo contrário, a equipe do Beck Studios, empresa de Maíra Góes localizada no Rio de Janeiro, passou dias e noites traduzindo e adaptando roteiros, captando vozes e finalizando a sonorização para entregar à Globo um resultado com a mesma qualidade técnica e artística da série internacional dirigida por Jayme Monjardim. Em um mês e meio, os oito episódios estavam prontos para exibição.

“Fizemos com muito cuidado. Estivemos totalmente dedicados a Passaporte para Liberdade. Independentemente da dublagem, acho esta uma das maiores produções da Globo até hoje. Eu realmente me sinto muito honrada de fazer parte, nem que seja pequena. Vale a pena também assistir ao original para ver como os nossos atores brasileiros estão se saindo em outra língua. Ter a opção é muito bacana! Não tem que ter só original ou só dublado. A história de Aracy de Carvalho deveria estar nos livros de história das escolas. Eu não a conhecia, só pela série, e acho que deveria ser estudada, porque foi uma mulher incrível”, elogia Maíra Góes.

Em entrevista exclusiva, a diretora revela bastidores da versão brasileira de Passaporte para Liberdade, da escolha de vozes às conversas com Jayme Monjardim. Ela escolheu Carol Valença, especialista em heroínas, para interpretar a determinada Aracy de Carvalho, papel de Sophie Charlotte, que não pôde dublar por questões de agenda. Rodrigo Lombardi (João Guimarães Rosa) só faltou dormir no estúdio por sua devoção à dublagem! Tarcísio Filho (cônsul Souza Ribeiro), na avaliação de Maíra Góes, foi uma grata surpresa em sua primeira dublagem profissional.

Confira abaixo a íntegra da entrevista com Maíra Góes, diretora de dublagem de Passaporte para Liberdade:

PAULO PACHECO: Quando Passaporte para Liberdade chegou ao Beck Studios? O prazo para a dublagem foi muito curto?

MAÍRA GÓES: A dublagem agora, na era do streaming, já tem um prazo mais curto porque o lançamento é muito rápido. Nosso prazo de produção acabou ficando mais urgente. Só que não que podemos esquecer que é uma produção artesanal e a matéria-prima da dublagem, para mim, não é o filme, o produto. É o ator em dublagem. O elenco de Passaporte para Liberdade é muito grande, entraram muitos dubladores! Já temos uma parceria de mais de dez anos com o Grupo Globo, fazemos muito conteúdo para o Globoplay, os canais da antiga Globosat e a TV aberta também. Eles encararam como um conteúdo internacional, o famoso ‘enlatado’. Soube que indicaram o Beck Studios para o Jayme Monjardim e a equipe por já termos essa experiência com a Globo. Jayme foi muito gentil desde o início. Ele entregou o ‘filho’ dele na minha mão para dublar com uma confiança muito grande! Diversas vezes ele falou: ‘Maíra, em dublagem você é a expert, eu confio esse trabalho a você porque sei que você tem experiência e vai fazer o melhor possível’.

Levamos um mês e meio. Começamos a ter reuniões sobre o projeto em julho. Lembro isso porque não tinha voltado presencialmente ao estúdio e a Globo queria que eu dirigisse. Só que tinha a questão dos protagonistas se dublarem e eu sabia que tinha que ser presencial. Avisei que iria tomar a segunda dose da vacina em 19 de agosto e que 15 dias depois eu toparia trabalhar presencialmente. No Beck Studios, o objetivo meu e do meu marido era tomarmos as duas doses e, após 15 dias, voltar de alguma forma presencialmente, no caso de modo híbrido. Eles falaram que estavam finalizando com a Sony e que o material não chegaria antes disso. Fechado, trabalhamos juntos! Fizemos mais reuniões em setembro, e em outubro começamos a tradução e a adaptação.

Uma orientação do Jayme foi deixar a coisa bem natural até na linguagem. Apesar de ser de época, porque se passa em 1938, ele queria trazer um pouco para a nossa realidade. Obviamente não falamos gírias atuais, mas não nos preocupamos em colocar uma linguagem mais rebuscada, ‘pra’ em vez de ‘para’. E a boa dublagem é aquela que você não percebe que está dublado.

PP: A boa dublagem é a que o público não percebe, mas o público conhece muito bem as vozes da Sophie Charlotte e do Rodrigo Lombardi. Foi um desafio fazer uma dublagem imperceptível em cima de vozes que o Brasil inteiro conhece?

MG: Rodrigo e Tarcísio se dublaram. Como a Sophie não teve tempo, por estar em outra produção, ela precisaria demandar bastante tempo até pela inexperiência em dublagem, então foi dublada. Quando soubemos que ela não iria ter esse tempo, apresentei ao Jayme um teste com a Carol Valença, porque achava que ela iria passar o excelente trabalho que a Sophie conseguiu, uma Aracy de Carvalho forte, determinada, altruísta. A partir do momento em que Sophie não pôde se dublar, meu desafio foi escolher quem poderia passar esse brilhantismo sem ficar discrepante. São vozes diferentes, mas acho que o timbre delas é bem próximo. Carol conseguiu passar a segurança que a Sophie passou na tela e que a protagonista merecia, uma personagem forte.

PP: Sophie chegou a ter acesso à voz? Recebeu algum feedback dela?

MG: Ela me mandou uma mensagem e me pediu: ‘Maíra, escolhe uma voz bem maravilhosa para mim!’ (risos). Não sei depois o que ela achou.

PP: Acho que ela gostou, porque está divulgando muitas cenas dubladas nas redes sociais.

MG: A Carol foi minha aluna há 10 anos. Na primeira aula, vi que ali havia uma atriz em dublagem potencial que iria crescer muito. Falei: ‘Você é boa e vai crescer, mas vai passar por todo esse percurso’. Nem todo bom ator vai conseguir dublar bem. Dei aula para vários atores ótimos em cinema, teatro e TV, mas não conseguiram dublar bem, mas a Carol eu vi desde o início que sim. Rodrigo tem experiência em dublagem e é muito gentil. Ele é tão apaixonado por essa arte e valoriza tanto os profissionais que no início ficou com medo: ‘Estou com medo de ficar mediano e ser engolido pelos atores experientes!’. Ele encontrava um ator veterano e pedia foto: ‘Cara, sou muito seu fã!’. Ele ficava muito feliz com esse contato, enaltecendo sempre a dublagem e os dubladores. Esse medo fez com que ele se dedicasse e a gente trabalhasse de forma que isso não acontecesse. Ali, ele está como se estivesse em cena.

Nessa produção, pude ligar para o Jayme, e fazia isso sempre, e falar com o Rodrigo: ‘Qual a intenção nesta cena?’. A pergunta em inglês termina com musicalidade para ‘cima’, e em português a musicalidade é para ‘baixo’. Foi um trabalho muito minucioso. Passamos muitos dias juntos: eu, ele e o Leo Alcântara, técnico de som do Rodrigo e do Tarcísio [Filho]. Tivemos outros técnicos que trabalharam durante o processo, como o Bruno Rocha, que fez a maior parte do trabalho, mas nós três fizemos uma imersão! Acho que foi o trabalho mais minucioso que fiz em dublagem até hoje, no sentido de mergulhar no universo, trabalhar cada fala, justamente porque o Rodrigo e o Tarcísio não têm o dia a dia da dublagem. Fomos com muita calma. Depois de alguns episódios, refizemos algumas coisas lá do primeiro. Revisei o conteúdo, mandamos para a equipe do Jayme e a equipe da Globo, são várias etapas de revisão. Depois, o Rodrigo, o Leo e eu voltamos para o estúdio e refizemos não porque tinham pedido, mas porque a gente achou que podia melhorar ainda mais. Rodrigo falou: ‘Tenho certeza de que posso melhorar’. E ele melhorou. É uma pessoa incrível, um ator de muita dedicação, que enaltece a dublagem brasileira, trata com muito respeito e muito carinho. Ele não queria acabar! Eram nove da noite, perguntei: ‘E aí, está cansado?’. Ele falou: ‘Estou, mas ficaria até meia-noite’.

PP: Como foi dirigir o Tarcísio Filho, um ator com tanta experiência na frente das câmeras, mas que nunca havia dublado?

MG: Tarcísio foi uma grata surpresa para mim. De início, há o estranhamento porque ele está se ouvindo no original, está se vendo, tem o script, é tudo uma novidade. Fiz uma introdução a ele sobre dublagem, conversamos, mas acho que foi menos difícil para ele por ter domínio da obra. Ele me surpreendeu. Obviamente, não teve a agilidade que um dublador experiente tem, mas o que importa é o resultado, não o tempo que se leva. Depois de trabalharmos bastante, o resultado foi o cônsul Souza Ribeiro.

A orientação era que o restante seria dublado por atores em dublagem experientes. Rodrigo e Tarcísio se dublariam, infelizmente a Sophie não conseguiria pela agenda, e o restante da escalação era livre, era minha. Eles confiaram tanto em mim que nem pediram testes. Confiaram na minha escalação. Fui mostrando ao Jayme e à equipe quem eu tinha selecionado e eles aprovaram, estão felizes com as escolhas.

Fizemos com muito cuidado. Estivemos totalmente dedicados a Passaporte para Liberdade. Independentemente da dublagem, acho esta uma das maiores produções da Globo até hoje. Eu realmente me sinto muito honrada de fazer parte, nem que seja pequena. Vale a pena também assistir ao original para ver como os nossos atores brasileiros estão se saindo em outra língua. Ter a opção é muito bacana! Não tem que ter só original ou só dublado. A história de Aracy de Carvalho deveria estar nos livros de história das escolas. Eu não a conhecia, só pela série, e acho que deveria ser estudada, porque foi uma mulher incrível.

Siga o colunista no Twitter e no Instagram.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade