Fim de uma era

Análise: Sem Malhação, Globo dá “block” em adolescentes e vira “exclusiva” para adultos

Após eliminar programação infantil, emissora acaba com último reduto jovem na TV aberta

Publicado em 29/09/2021

O fim de Malhação, principal celeiro de novos atores da Globo, fecha um dos últimos redutos do adolescente na TV aberta. O formato, lançado há 26 anos com sucessivas temporadas, acompanhou as mudanças do comportamento, da tecnologia e da produção de dramaturgia, além de ditar modas e discutir tabus como drogas e sexualidade. Como se estivesse em uma rede social, a emissora simplesmente deu “block” na audiência infantojuvenil.

Nos últimos anos, a televisão aberta tem se mostrado cada vez mais hostil com a criança e o adolescente. À exceção das TVs públicas e das novelinhas do SBT, atrações destinadas a esse público tornaram-se escassas em outros canais. O fim da TV Globinho, a extinção da MTV Brasil e a demissão em massa da recém-inaugurada Loading são alguns símbolos da exclusão do jovem no meio de comunicação mais popular e democrático do Brasil.

A explicação é mercadológica. A proibição de comerciais para crianças inviabilizou a manutenção de programas infantis (a Globo fatura mais com Fátima Bernardes vendendo carne no Encontro do que doces, carrinhos e bonecas na TV Globinho). Adolescentes dependem dos pais para comprar o tênis do galã de Malhação. Se o dinheiro necessariamente sai do bolso dos adultos, a TV aberta decidiu monopolizar seus investimentos neste público.

Paralelamente, crianças e adolescentes buscaram referências em outras plataformas. A programação infantojuvenil migrou quase que completamente para a TV paga, o celular, as redes sociais e as plataformas de streaming. Youtubers e tiktokers substituíram VJs da MTV e alunos do Múltipla Escolha (colégio fictício de Malhação) na idolatria da audiência jovem.

A mudança não significa que adolescentes deixaram de ver TV aberta (pelo contrário, a audiência da Globo nesta faixa etária cresceu em 2020). Entretanto, o público teen não consome produções pensadas para sua idade. Hoje, a grade da emissora carioca é majoritariamente adulta, composta por telejornais, programas de variedades, reality shows, esporte ao vivo e novelas.

Em contrapartida, Globo e outras redes comerciais chamam os novos formadores de opinião dos adolescentes (os influenciadores digitais) para participações em programas e, assim, tentam atrair o público infantojuvenil. Boa parte do elenco do BBB e de A Fazenda (Record), por exemplo, são famosos na internet, mas desconhecidos por telespectadores adultos.

Ainda seguindo o rastro do dinheiro, produções destinadas a crianças e jovens se concentram nos canais pagos e no streaming, além das redes sociais. As Five, série derivada de Malhação: Viva a Diferença, impulsionou o Globoplay. A Netflix contratou Maisa, uma das jovens mais seguidas do mundo no Instagram, que não via mais espaço para crescer no SBT. O “publi” na rede social equivale ao anúncio de 30 segundos no intervalo da TV.

A extinção de Malhação sintetiza como a Globo e outros canais deixaram de falar com a criança e o adolescente e se desfazem de uma fatia importante da audiência. É um passo arriscado para a construção de um novo público e a sobrevivência da própria televisão. Quanto tempo vai demorar para o adolescente chamar quem vê TV de “velho” ou “cringe”?

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