No final de ano, tradicionalmente as agências de publicidade estão abarrotadas de trabalho por conta das campanhas de Natal, principalmente pelas chamadas contas de varejo, o comércio que sustenta os comerciais de TV na época. Neste ano, no entanto, as agências de publicidade tiveram um departamento mobilizado a mais, além da criação das campanhas: o jurídico. Isto porque a Superintendência-Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) proibiu em dezembro de 2020 o Grupo Globo de conceder bônus às agências, o chamado BV (bonificação de volume).
Veja também:
Com a decisão, no âmbito do inquérito administrativo aberto no Cade, o grupo Globo foi proibido de assinar contratos de plano de incentivo e de realizar adiantamentos de pagamentos para as agências. A título de exemplo, o bônus é como um prêmio devolvido para uma agência quando ela compra espaço publicitário na emissora em grandes volumes para um ou vários anunciantes.
Pela regulamentação do setor, a compra de mídia não pode ser feita diretamente pelo anunciante (cliente), mas sim tem de ser realizada por intermédio de uma agência de publicidade, que geralmente é também responsável pela criação dos comerciais.
A medida preventiva foi tomada no começo de dezembro (dia 2); a Globo recorreu, mas o Cade, em sessão realizada no início da semana do Natal, manteve a restrição. Ao longo de dezembro e até o último dia útil do ano, 14 agências de publicidade, duas empresas anunciantes e ainda as associações de anunciantes e de agências de publicidade, entre partes do processo e terceiros interessados, tinham indicado seus advogados para acompanhamento.
Entenda o caso
O Cade, vinculado ao Ministério da Justiça, instaurou o inquérito com a justificativa de apurar indícios de condutas anticompetitivas por parte do Grupo Globo Comunicações em contratos firmados com agências de publicidade. A autarquia também adotou a medida preventiva contra o grupo para impedir prejuízos à concorrência que possam decorrer das práticas.
A medida vale para os chamados “planos de incentivo”, quando um veículo de comunicação estabelece formas adicionais de remuneração às agências, como, por exemplo, a bonificação por volume. Inclui práticas como premiação por volume de investimentos feitos pela agência naquele veículo, estratégias de fidelização, imposição de volume mínimo de aquisição, entre outros.
Durante o processo, foram ouvidas emissoras como Rede TV! e Record, que também adotam prática similar de concessão de incentivos. Os documentos de ambas constam do inquérito e explicam como funciona a política de concessão de bônus nas emissoras e seus patamares de incentivos concedidos. O documento da Rede TV, por exemplo, foi assinado pelo advogado que representa os próprios donos da emissora, Amilcare Dallevo Jr. e Marcello de Carvalho.
No entanto, o Cade considerou que a forma como a Globo concede a bonificação às agências decorre de exercício abusivo de posição dominante e induz à fidelidade contratual. Além disso, segundo o órgão governamental, as cláusulas de bonificação estimulam a discriminação arbitrária entre os adquirentes de tempo/espaço publicitários e dificultam o funcionamento de empresas concorrentes, por incentivar as agências a concentrarem seus investimentos na emissora, como forma de obtenção da bonificação.
Ainda, o Cade considerou problemática do ponto de vista de concorrência o fato de a Globo promover o adiantamento da bonificação. Para a sua Superintendência, o adiantamento promove acentuado aumento no grau de dependência econômica das agências junto à emissora. Isso porque, ao entregar antecipadamente os valores de bonificação, a emissora torna-se credora da agência, que, portanto, deverá assegurar que seus futuros trabalhos sejam suficientes para garantir percentual de bonificação equivalente ao já recebido, conforme diz o comunicado do Cade
Isto é legal?
Uma lei de 2010, a Lei 12.232/2010, regulamentou a bonificação para as agências no trato de verbas de publicidade de empresas públicas. Nas empresas privadas, a prática é garantida pela autorregulamentação do setor, segundo normas do Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão).
Ocorre que, como os pacotes de publicidade da Globo são os mais altos do mercado e a emissora vem há décadas obtendo liderança de audiência, seus bônus garantem há anos também a sobrevivência das próprias agências, uma vez que os anunciantes, que pagam a conta, cada vez mais deixam de remunerar as agências pelos seus serviços prestados no dia a dia, deixando o bônus como o pagamento merecido pela agência.
Vale lembrar que a prática passou a ser seguida por veículos de todos os segmentos: revistas, jornais, portais de internet, e também pelas plataformas gigantes multinacionais.
Líder de audiência
O próprio Cade em seu estudo “Cadernos do Cade”, sobre o mercado de TV aberta e TV paga, relaciona a Globo como emissora líder de audiência no horário nobre em 2020, com 52,99% de audiência – maior que a soma de audiência de todas as demais redes abertas (20,75% SBT, 19,51% Record, 4,63% Band e 2,12% Rede TV). Os dados são do Kantar Ibope e se referem ao período de 3 a 8 de março de 2020, portanto, antes da pandemia da Covid-19.
Uma queixa comum entre as concorrentes é que a verba que a emissora recebe de publicidade é maior que a sua audiência. A isto, a Globo sempre respondeu pela qualidade e alto padrão de sua programação – nem sempre um anunciante deseja ter sua marca exposta numa atração que, embora muito popular, possa não ter adequação com seu produto e o público que almeja.
Resta saber como o mercado reagirá a estas medidas e se elas vão permanecer em 2021. O segmento de publicidade já vinha se preparando há pelo menos dois anos para a expectativa do fim do BV por parte da Globo, independentemente de uma ação por parte do governo, mas sim como uma reação da própria emissora. Nos últimos anos a Globo tem tido queda da sua participação no bolo de publicidade por conta da maior concorrência de outros segmentos, em especial a internet.
Veremos se a medida do Cade pode ou não acelerar esta eliminação e como o mercado de publicidade vai se comportar.