Crítica de TV

Passaporte Para Liberdade é pérola perdida na programação de final de ano

Minissérie internacional da TV Globo estranha pela dublagem mas encanta no conjunto

Publicado em 29/12/2021

Uma pena o período de Festas e horário tão avançado na noite terem sido destinados à excelente minissérie internacional Passaporte Para Liberdade, da TV Globo.

A trama se passa durante o regime nazista e início da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), na cidade portuária alemã de Hamburgo.

Com cara de superprodução de época, a minissérie imprime um realismo romanceado à vida da funcionária do Consulado Brasileiro em Hamburgo, Aracy de Carvalho.

Responsável pela emissão de passaportes no Consulado, na história contada na minissérie Aracy ajudou centenas de judeus a fugirem da morte certa nos campos de concentração.

Isto porque ela providenciava de forma extraoficial a documentação adequada para que eles pudessem imigrar para o Brasil.

Como não bastava apenas fugir, mas era necessário ter e provar meios de se manter no país tropical, a produção mostra também como Aracy ajudava os viajantes a despacharem no porto os seus pertences, de forma a não chegarem ao Brasil com as mãos abanando.

Em meio à produção da obra, surgiram polêmicas questionando se o papel de Aracy de Carvalho foi assim tão importante para salvar vidas.

Por exemplo, os historiadores Fábio Koifman e Rui Afonso lançaram o estudo Judeus no Brasil: História e Historiografia, que questiona o suposto  heroísmo de funcionários do consulado do Brasil em Hamburgo.

Aracy Sophie Charlotte Thomas Zumkle Peter Ketnath Foto JaymeMonjardimGlobo

Depoimentos

Talvez por isso Passaporte Para Liberdade exiba, a cada final de capítulo, depoimentos de descendentes de imigrantes judeus que tiveram seus destinos salvos pelas mãos da brasileira chefa do setor de passaportes.

São histórias carregadas de emoção em depoimentos que resumem um pouco o drama que cada família enfrentou até poder vir se estabelecer no Brasil.

Mesmo porque – e a série relata bem — o Brasil não vivia naquela época um regime democrático e seu governo não era muito afeito aos imigrantes judeus, muito por influência de Getúlio Vargas, ele mesmo um ditador e simpatizante de regimes totalitários.

Getúlio instaurou o Estado Novo no País – entre 1937 e 1945 – período que coincidiu em parte com o conflito mundial, no qual o país se viu obrigado também a entrar em alinhamento contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).

A direção de Jayme Monjardim não poderia ser mais apropriada. O diretor já trafegou com destreza pelo tema no seu longa-metragem Olga (2004), baseado na biografia escrita por Fernando Morais.

Olga Benário, grávida, em 1936 foi extraditada do Brasil diretamente para os campos de concentração dos nazistas, onde morreu.  

Em Passaporte Para Liberdade, Monjardim revisita o período sangrento da história mundial do outro lado do Atlântico.

O clima urbano da pré-guerra e guerra, a opressão nazista ante os judeus e os dramas pessoais são retratados em formato de ficção em meio a fatos reais.

Locações, cenografia, figurinos e fotografia saltam aos olhos acostumados à luz tropical de nossas telenovelas.

Um dos melhores episódios da minissérie foi o que recriou a trágica Noite dos Cristais (Kristallnacht), como ficou conhecida a fatídica noite.

Na data, 9 de novembro de 1938, houve uma série de ataques antissemitas, que destruíram casas, sinagogas e comércios pertencentes a judeus.

Era o início de uma das perseguições religiosas mais cruéis e sanguinárias de que se tem notícia na sociedade moderna.

Ao belo trabalho de Aracy, lindamente vivida por Sophie Charlotte, acrescente-se a sempre deliciosa história do romance dela com João Guimarães Rosa, um dos maiores escritores brasileiros do século XX. Rosa fora deslocado para Hamburgo como cônsul-adjunto.

Há um estranhamento natural diante da dublagem. A produção internacional junto à Sony Pictures foi originalmente filmada em inglês, visando o mercado global. Apenas as vozes de Rodrigo Lombardi e Tarcísio Filho (no papel do cônsul brasileiro Souza Ribeiro) foram dubladas por eles mesmos.

No caso da protagonista, Sophie Charlotte, o estranhamento é algo passageiro, diante de sua entrega tão digna ao papel.

Outros personagens importantes na trama, marcada por elenco estrangeiro, são: Samuel Bashevis (Phil Miler), pai da cantora judia Vivi Landau Kruger (Gabi Petry), o capitão da SS nazista Thomas Zumkle (Peter Ketnath), Karl Schaffer (Thomas Sinclair Spencer), Margarethe (Izabela Gwidzak) e Hugo Levy (Bruce Gomlevksy).

A história é de autoria de Mário Teixeira, com colaboração de Rachel Anthony, tem direção de Seani Soares e direção geral e artística de Jayme Monjardim.

Note-se que a produção executiva é de Silvio de Abreu, Monica Albuquerque e Elisabetta Zenatti – nenhum deles mais nas empresas Globo, atuando todos no momento na concorrência -, com a produtora Floresta.

Passaporte Para Liberdade termina nesta quinta-feira, 30, e fica a torcida para que a Globo não demore muito a reapresentá-la.

A minissérie é merecedora de horário mais grato para ser exibida e devidamente apreciada.

** Informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de sua autora e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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