Jornalismo sério

“Só conhecendo e encarando a realidade poderemos superar essa tragédia”, declara Alan Severiano sobre a pandemia

Há 20 anos na TV Globo, hoje o repórter responde pelo Mapa da Covid-Vacinação no Jornal Nacional, além do SP2

Publicado em 30/05/2021

Amigos da Coluna Por Trás da Tela, nosso encontro agora é com o jornalista Alan Severiano. Nascido na capital do Rio Grande do Norte, Natal, ele participou de uma experiência importante de jornalismo público na TV Cultura e na TV Globo é um dos profissionais mais prestigiados, atualmente apresentando a edição noturna do SP TV, noticiário da emissora para a Região Metropolitana de São Paulo.

CHRISTIANO BLOTA – Alan, muito obrigado pela sua presença aqui na minha coluna. Meu espaço é uma sala de visitas virtual, onde converso com os companheiros de trabalho para falar desse mundo chamado comunicação. E nós que estamos sempre atrás das notícias temos poucos lugares e pouco tempo para trocar ideias. Por isso, eu te agradeço de coração por aceitar meu convite.

ALAN SEVERIANO – Obrigado pelo convite, Christiano. É um prazer falar com você sobre jornalismo e desmistificar um pouco o trabalho nessa profissão que a gente abraçou.

CB – Alan, a Globo é uma emissora que enriquece muito o currículo de um jornalista. A competição é árdua por um lugar ao sol, e não poderia ser diferente. Como você chegou ao canal?

AS – A história é longa… Minha ligação com TV começou na época da universidade, em Natal, onde eu nasci. Estudei jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O engraçado é que meu sonho era trabalhar em jornal impresso, ser repórter do caderno de esportes. Mas a primeira oportunidade que surgiu foi um estágio na TV Universitária, um canal aberto da própria faculdade.

Sofri no começo até entender a mágica de escrever pensando em imagens, aí me apaixonei definitivamente pela televisão, sabendo do privilégio de poder trabalhar aprendendo. Experimentei reportagem, produção, apresentação, edição… até que, no dia da minha formatura, já sem o estágio e sem saber que caminho seguir, o acaso bateu à porta. Uma amiga da minha mãe, que assinava a Folha de S. Paulo, deixou lá em casa um recorte do jornal. Era o anúncio das inscrições para o curso de trainees da TV Cultura.

Resisti à ideia, não pensava em sair de Natal tão cedo, ficar longe da família, mas alguns amigos me incentivaram, e eu resolvi encarar as duas fases de provas em São Paulo. Lembro que passagem aérea, naquela época, 1997, era caríssima para o padrão de vida que a gente tinha. Meus pais compraram o bilhete de uma companhia baratinha que nem existe mais. Quando entrei no avião, quase desisti. Todas as máscaras de oxigênio tinham caído sobre os passageiros. Uma mulher que vinha de outra cidade e resolveu abandonar o voo antes de chegar ao destino gritou aos prantos: “Meu filho, o piloto jogou esse avião no chão na hora de pousar! Se eu fosse você, não entrava”. Fiquei com medo, mas segui viagem.

Hospedei-me na casa de amigos de amigos, que me ajudaram muito na cidade grande e desconhecida, e acabei aprovado para o trainee. Cobri férias e fui contratado como repórter da TV Cultura depois de uma passagem rápida pela EPTV de Ribeirão Preto. A Cultura foi outra grande escola. Fiz todos os jornais da emissora, Repórter Eco, Cartão Verde, algumas matérias para o Metrópolis… e virei apresentador de um programa de entrevistas na hora do almoço, o Matéria Pública.

Nove meses depois de estrear na bancada, quando cheguei em casa, o telefone tocou. Fiquei mudo. Era um convite do diretor de jornalismo da Globo São Paulo para uma vaga na reportagem dos jornais locais. Eu tinha acabado de fazer uma especialização em jornalismo econômico, estava acostumado e empolgado com assuntos nacionais, mas aceitei a proposta… e comecei tudo de novo, na Globo, como repórter da madrugada, cobrindo polícia. Foi em maio de 2001. Pouco tempo depois, numa madrugada, estava, ao vivo, narrando o fim do sequestro da filha do Silvio Santos. E, mais tarde, participando da cobertura histórica sobre a repercussão dos ataques terroristas de 11 de setembro.

CB – Sabemos que em toda profissão, ainda mais na nossa, temos que mostrar muito trabalho, garra e falhar o menos possível. Gostaria que você me falasse de uma reportagem que te agradou e reforçou sua posição como jornalista e outra que você poderia ter feito melhor.

AS – A carreira, como a vida, é cheia de altos e baixos. Acho importante não se valorizar demais nos bons momentos nem se deixar abater nas horas mais difíceis. Claro que não é fácil conseguir esse equilíbrio. Eu me cobro muito, às vezes fico remoendo reportagens ou a apresentação. Minhas filhas dizem que, quando me assisto, só faço careta. (risos) Mas tenho muitos motivos de orgulho também.

Um deles é a série sobre as eleições americanas de 2016 para o Jornal Hoje. Foi uma prova de fogo pessoal, profissional e logística cruzar os Estados Unidos de trem com a equipe – o cinegrafista Lucio Rodrigues e o produtor Felippe Coaglio – durante uma semana. Fizemos entradas ao vivo e reportagens todos os dias, entre uma cidade e outra, sobre assuntos polêmicos, como os lounges da maconha no Colorado e a venda indiscriminada de armas no Novo México. Pegando o trem e descendo do trem todo dia, dormimos pouquíssimo, mas saboreamos as paisagens e as conversas com pessoas de perfis muito diferentes, os eleitores de Hillary Clinton e Donald Trump, num momento tão surreal da História. Saímos de Nova York num sábado e, quando desembarcamos em Los Angeles, o alívio foi tão grande que eu não parava de rir. Uma felicidade enorme!

Já dos momentos “menos edificantes”, lembro de uma entrada ao vivo em que eu tinha de dar as cotações do dólar e da bolsa, logo na abertura de um jornal especializado em economia. A tela onde os números apareciam apagou segundos antes, e eu, sem nenhum jogo de cintura na época, tentei lembrar de cabeça os valores. Não deu certo! Achei que fosse o fim da linha. A sorte é que tinha pouca gente vendo e ainda não existiam as redes sociais. (risos)

Mas as falhas estão aí para ensinar. Acho que o mais importante é o comprometimento em querer acertar e fazer o melhor. No caso do telejornalismo, ter sempre em mente que a meta é contar a história da forma mais fiel possível, e do jeito mais interessante de assistir. O telespectador percebe as nuances nas palavras escolhidas, na entonação, na imagem bem captada.

CB – Você mostra versatilidade como repórter e como apresentador. Em qual das funções você se sente mais à vontade?

AS – A maior parte da minha carreira foi na reportagem e a reportagem é a base de tudo, a fonte de tudo, inclusive da apresentação. Estamos sempre apurando, escrevendo, reportando, na rua ou no estúdio. Quanto mais proximidade com a origem da informação, melhor ela é transmitida, a comunicação fica mais autêntica e natural. Uma função complementa a outra.

Na reportagem, o desafio é focar, mergulhar numa única história, imprimir o seu olhar a partir de diferentes pontos de vista e do contraditório. É muito bom ouvir pessoas e contar recortes da realidade. Na apresentação, a missão é amarrar as notícias mais importantes do dia, dar o peso correto e fazer com que aquela sequência de assuntos faça sentido para o telespectador, de um jeito fluido e agradável. Para mim, no momento, essa é a função mais desafiadora porque tenho menos experiência no estúdio. Todo dia, surge uma novidade, uma coisa a aprender e muitas outras a melhorar. Leva um tempo, tenho muita quilometragem pela frente. Sorte que tenho por perto algumas das melhores e maiores referências, como Carlos Tramontina e William Bonner.

CB – Eu noto que a Globo confia no seu trabalho porque já te vi como repórter, apresentador, correspondente internacional em Nova York. Além disso, suas matérias aparecem em jornais locais, Jornal Nacional, Fantástico. Parece aquele jogador de futebol no qual o técnico tem tanta confiança que, ao precisar de alguém, em qualquer posição deficitária, fala: “Chama o Alan”. Como você desenvolveu a técnica para ajudar a emissora quando ela precisa?

AS – A convivência facilita as coisas. Acabei de completar 20 anos na Globo, agora em maio. No dia, fui atrás de umas fotos, registros antigos… e aí passou pela cabeça um filminho do que já vivi na profissão. Começar na madrugada e depois passar por diferentes telejornais torna as coisas mais naturais. Acredito naquela história de um tijolinho de cada vez e de estar pronto quando a notícia aparece, sempre valorizando o trabalho de toda a equipe, que é essencial na TV.

Agradeço sempre pela sorte e pelas oportunidades que tive e que tenho, seja cobrindo fatos da cidade, economia, política, seja como correspondente internacional – e agora, com esse imenso desafio na apresentação do SP2 e dos números da pandemia no Jornal Nacional. O fundamental é manter sempre a vontade de aprender e crescer. A profissão é um prazer, mas também uma enorme ralação. Quem é jornalista sabe o que significa abrir mão de feriados, aniversários, fins de semana… e também a importância do apoio da família para lidar com essa falta de rotina. Minha mulher Rachel, minhas filhas, meus pais são a razão disso tudo. Não seria nada sem eles.

CB – Você tem feito o Mapa da Covid no Jornal Nacional, na minha opinião o quadro mais importante na atualidade. Me fala um pouco da experiência?

AS – Já são sete meses no Mapa da Covid-Vacinação. Comecei cobrindo o querido Márcio Gomes e, de repente, herdei aquela imensa responsabilidade, o espaço onde a maioria dos brasileiros se informa sobre o momento e a tendência da pandemia. É uma correria porque os números saem às 20h e, meia hora depois, o JN entra no ar. É preciso interpretar, buscar a notícia escondida nas tabelas. As editoras e eu escrevemos, revisamos várias vezes, mas quando chega a hora de ler diante da câmera, a emoção brota.

Claro que é muito pesado falar de casos e mortes num período tão triste e de tantas perdas, mas divulgar os números com transparência é essencial para o país virar essa página. Não adianta negar. Só conhecendo e encarando a realidade poderemos superar essa tragédia. Nas fases mais difíceis, de recordes negativos, saí da redação como se estivesse carregando uma tonelada nas costas. Quando a vacinação começou, foi uma alegria poder divulgar diariamente os números da esperança. Pena que ela esteja avançando num ritmo mais lento do que o necessário para o tamanho do problema no Brasil.

Apesar de os números nem sempre serem animadores, a prova de que o público confia e quer se informar corretamente é que, quase todos os dias, o quadro Covid-Vacinação é um dos assuntos mais vistos do JN no Globoplay. Muitas vezes, é o primeiro da lista. E isso dá um orgulho imenso, é uma recompensa para toda a equipe e, de certa forma, para todos os jornalistas que estão se arriscando nessa pandemia, remando contra a maré de fake news e intolerância, para que a população tenha acesso à informação de qualidade. 

CB – Alan, quais serão seus próximos passos? Tem algo que gostaria de fazer e ainda não teve a oportunidade?

AS – Quero me sentir desafiado, experimentar coisas novas e, claro, ver propósito no trabalho: ter sempre em mente, como jornalista, que a missão é contribuir, através da informação, para uma sociedade com mais educação, menos desigualdade e preconceito, três grandes problemas do Brasil. Sobre desejos pessoais, quero muito cobrir Copa do Mundo e Olimpíada. Quem sabe, rodar mais o mundo ou ter novas experiências na apresentação. 

CB – E agora eu peço para você responder à pergunta tradicional da coluna. Quando o Alan Severiano está “Por Trás da Tela”, o que ele costuma ou gosta de fazer?

AS – Gosto de ficar com a família, de passear com minha mulher e minhas filhas, de pedalar no parque, fotografar e brincar com o cachorro. E gosto de muitas coisas que ficaram mais difíceis ou impossíveis com a pandemia: viajar, ir ao cinema, ao teatro e a museus, tomar um chope num bar com os amigos, curtir uma praia no fim de semana. Sinto muita falta da natureza, do horizonte, da minha família em Natal, que não vejo há mais de um ano.

Nesse período de clausura, a arte tem sido uma das melhores companhias. Assisto shows na internet, leio e ouço muita música: MPB, pop, jazz, rock… Ouço as mesmas de sempre, mas também gosto de descobrir coisas novas. Eu me sinto arrumando trilhas sonoras diferentes para quebrar a rotina desse momento em que os dias parecem tão iguais.

CB – Alan, muito obrigado pela conversa, pela visita à coluna. Você colabora com o meu desejo de mostrar um pouco da vida de comunicadores que fazem a diferença na sociedade. Os que conversam comigo vêm de diferentes mídias, cresceram em diferentes lugares, mas tenho certeza que trabalham por um bem maior, que é informar uma sociedade tão especial como a brasileira. Grande abraço!

AS – Muito obrigado pela oportunidade, Christiano. Que o mundo supere logo essa pandemia e nos dê mais motivos para sorrir. Saúde!

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