Entrevista

“Não é fácil ser jornalista, sobretudo nesses tempos”, diz Natuza Nery, uma das principais comentaristas da GloboNews

Na opinião da integrante do Papo de Política, o jornalismo está sempre sob ataque, mas resiste

Publicado em 09/11/2021

Amigos da Coluna Por Trás da Tela, hoje eu converso com Natuza Nery. Eu tenho certeza que ela serve de referência para jovens jornalistas, aspirantes a profissão e do público em geral. Natuza é certamente uma ótima companhia para entender o que se passa na política do Brasil. Além do mais, ela é de tanta simpatia, educação e simplicidade que ganhou, mais ainda, a minha admiração. Vamos à entrevista…

CB – A primeira pergunta que me vem à mente é sobre o quadro “Meninas do Jô”, foi a primeira vez que te vi na tela. Eu gostaria que você falasse um pouco daquela época, da experiência, e se você considera que foi seu ponto de partida na TV.

NN – Quando recebi o telefonema da Anne Porlan, que trabalhava com o Jô, não acreditei. Eu assistia ao Meninas do Jô desde a formação original, sempre fui fã do programa. Antes dali, tinha feito algumas participações no Fatos & Versões, comandado pela Cris Lôbo [Cristiana Lôbo]*, na GloboNews.

No primeiro dia, minhas pernas tremeram. Achei que nem me chamariam de novo. Mas, na semana seguinte, lá estava eu novamente e não saí mais. Ainda acho estranho ter participado de um programa do Jô, ele está na minha vida desde os meus tempos de criança.

O Jô é o mestre da televisão brasileira e hoje é também um dos meus mais caros amigos. Ele sempre desliga nossos telefonemas dizendo “Eu te amo, menina”. Então, no fim das contas, fazer parte de um elenco de jornalistas como aquele foi incrível, mas conviver com o Jô foi uma das melhores coisas da minha vida.

CB – Você tem uma história com Recife, São Paulo e Brasília. Uma história de “idas e vindas”, vamos dizer assim. Como foi essa experiência profissional e pessoal?

NN – Após a separação dos meus pais, fui com minha mãe para Recife. Tinha dois aninhos de idade. Fiquei lá até os 10 anos. Voltei pra São Paulo e, aos 16, lá fui eu de novo pra lá. Aos 18, São Paulo novamente. Aos 25, Brasília. Costumo dizer de brincadeira que tenho dupla cidadania, paulista e pernambucana.

Meus tempos de Nordeste foram os mais ricos da minha formação pessoal. Vivia com minha mãe e minha tia e as duas ralavam muito pra me educar. A vida não era muito fácil. Era um lugar conservador também. Eu me lembro de histórias de amiguinhas que não podiam brincar na minha casa porque minha mãe era “desquitada”, como se as crianças fossem se “desencaminhar” ao brincar com a filha de uma mãe solteira que havia se separado do marido. Passamos por essa e por outras e estamos aqui, firmes, juntas. E agora elas me ajudam a educar meu filho.

CB – Natuza, e o sucesso do podcast “Papo de Política”? Como surgiu a ideia? Me conta um momento que te marcou no programa.

NN – O ‘Papo de Política’ é o meu xodó. Aliás, o nosso xodó, meu, da Andréia Sadi, da Julia Duailibi e da Maju Coutinho. A gente se diverte muito fazendo o ‘Papo’. É como se fôssemos alquimistas transformando, quando possível, assunto pesado em assunto leve. O programa é quase o nosso grupo de mensagens do celular no viva voz.

No comecinho da onda dos podcasts, eu queria fazer algo que ressaltasse o papel da mulher no jornalismo político. Somos muitas na cobertura dos Poderes em Brasília. A ideia de uma mesa redonda com mulheres falando de política surgiu da Daniela Abreu, nossa editora-chefe, anos antes.

Como éramos muito próximas e nos encontrávamos muito no camarim da TV Globo, logo fizemos a proposta, que foi aprovada no ato. A nossa relação com o ‘Papo’ é profissional, claro, mas é pessoal também, porque a gente se gosta muito e se ajuda.

CB – Aliás, eu aproveito o tema “política” para externar minha preocupação com as eleições 2022. O Brasil está polarizado; temos eleições federais e estaduais; uma população que sofre com desemprego, fome, saúde, moradia. Estou sendo muito exagerado ou o clima do ano que vem será “pesado”?

NN – Vai ser um ano mais pesado do que o normal. E não é pela polarização. A política brasileira sempre foi polarizada. A política americana é polarizada. A polarização, em si, não é o problema, mas a radicalização sim. Fazer jornalismo num ambiente conflagrado assim é, claro, mais desafiador.

CB – Ainda no mesmo tema. Você, como jornalista, já está se preparando fisicamente e psicologicamente para as eleições do ano que vem?

NN – Estou, sim. Mais psicologicamente do que fisicamente. Não será fácil, não tem sido fácil. O jornalismo está sob ataque, mas ele sempre resiste. Agora, a travessia não é fácil especialmente para as mulheres jornalistas. Os ataques contra nós nas redes são muito mais violentos do que com os jornalistas homens. Somos vítimas de machismo o tempo todo. De ameaças também. Vivo isso todos os dias.

Quando faço um comentário crítico, por vezes duro, abro minhas redes e lá estão os haters com suas ameaças. Eu não posso dizer que me acostumei. Eu não me acostumo com violência. Não naturalizo a violência. O meu maior medo nisso tudo é não ver fim para esse ambiente de ódio. Mas o medo não me barra, ao contrário. 

CB – Eu te ouvi em rede social. Você tem um curso de jornalismo online com a Andréia Sadi. Até eu fiquei com vontade de fazer. (risos) Me fala do projeto?

NN – O curso “Jornalismo Político na Prática” é nosso outro filho, além do ‘Papo de Política’. É um curso para interessados na cobertura política, de estudantes até jornalistas formados que desejam mudar de ares ou se aprofundar. Fizemos o curso pensando nas estudantes que nós fomos. Na nossa época, não existia um curso de jornalismo político feito por jornalistas que atuam em grandes veículos, que pegasse na mão das pessoas e ensinasse o caminho das pedras. E é exatamente isso que a gente faz no curso: damos os caminhos das pedras para que nossos alunos conquistem o sucesso profissional.

CB – Natuza, como você faz para lidar com as frustrações no jornalismo, se é que você tem esse tipo de sentimento?

NN – Eu me escoro na minha família e nos meus amigos, na maior parte dos casos, jornalistas. Não é fácil ser jornalista, sobretudo nesses tempos. Mas tem algo muito poderoso que me atrai: a missão que nós temos de dar voz a quem não tem voz, iluminar o que está escuro, brigar por quem não tem força para brigar. Há um propósito muito nobre no que eu busco. Eu estou fechada com esse propósito porque desejo viver num lugar melhor. Eu quero que meu filho e que os filhos dos outros vivam num lugar melhor.

CB – Vamos encerrar nossa conversa perguntando o que você gosta de fazer quando não está na tela de TV, computador, tablet…..Enfim, o que a Natuza faz quando está “Por Trás da Tela”?

NN – Queria dizer que medito, faço esporte cinco vezes por semana, pinto quadros, faço aula de canto e tudo mais, mas eu estaria mentindo. O slogan da TV, “nunca desliga”, é o slogan da minha vida (risos). Mas estou numa fase de mudar isso, testando atividades que me façam desligar um pouco, que me façam desacelerar. É que a vida do jornalista político não é das 8h às 18h, sabe? Se algo acontece, você precisa estar lá. E notícia não espera você terminar o livro ou a aula de música, não espera suas férias acabarem.

Eu agradeço muito a participação da Natuza na minha Coluna. Estou muito feliz com a visita e com a entrevista que foi muito legal. Natuza, as portas da coluna estarão sempre abertas para você. Muito obrigado e até a próxima!!!

*Em 11 de novembro de 2021, três dias após a publicação desta entrevista, a jornalista Cristiana Lôbo, apresentadora do Fatos & Versões no qual Natuza fez suas primeiras aparições na TV falando de política, faleceu.

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