“Imagino que vou trabalhar no rádio até meus últimos dias”, diz Claudio Zaidan, uma das maiores referências do veículo

Publicado em 06/09/2021

Amigos da coluna “Por Trás da Tela”, hoje continuamos a nossa conversa com Claudio Zaidan, um dos principais nomes da rádio Bandeirantes e com uma vivencia na área fora dos padrões conhecidos. O saudoso Orlando Duarte era conhecido como “o eclético”, porque falava sobre diferentes esportes com facilidade. Esse é o caso do nosso entrevistado, que ainda comenta assuntos políticos, econômicos e sociais com desenvoltura. Na entrevista de hoje comenta quando fez parte do programa “Bandeirantes a Caminho do Sol”, que brilhava nas madrugadas com assuntos diversos. Acompanhe………….

Christiano Blota – Zaidan, quando eu entrei na Rádio Bandeirantes, eu tive que te substituir durante suas férias no “Bandeirantes a Caminho do Sol”. Para mim era uma responsabilidade muito grande, porque eu botava na madrugada e você comentava as notícias initerruptamente, mostrando conhecimento. Para mim, é um programa que faz falta – na madrugada ouvir uma notícia comentada com mais profundidade, sem a pressa do dia a dia… Queria que você falasse um pouco daquela época.

Claudio ZaidanHoje eu até tenho a oportunidade de fazer algo parecido à tarde, porque a gente tem uma abertura no “Bandeirantes Acontece”. Tem a Sonia Blota [jornalista e irmã deste colunista], que você deve conhecer (risos), o Ronald Gimenez [jornalista], e ali eu tenho uma abertura de mais ou menos meia hora para pegar um tema e destrinchar.

Na madrugada, eu tinha algumas vantagens, é claro: menos propaganda, então você não fica engessado pelo horário, e menos repórteres, então você não tem aquela coisa de chamar o repórter no trânsito para falar da estrada. Então era possível pegar uma notícia e mergulhar, se embrenhar. Se eu quisesse, tinha liberdade para ficar uma hora, 40 minutos, meia hora, o tempo que eu quisesse falando de uma notícia, de um assunto. Eu já tinha percebido que era diferente do jornalismo americano – e as TVs brasileiras reproduziam muito a plástica do jornalismo americano, que são coisas rápidas, curtas e “vamos embora que a fila anda”.

Podia ser que acontecesse uma enchente ou um atentado em algum país, aí era um fato que “para tudo e vamos falar disso aqui”. Agora, normalmente não, normalmente você tinha muito tempo, poucos repórteres e poucas propagandas, então era possível fazer isso. Pegar um assunto internacional, um assunto político brasileiro, esporte – inclusive os repórteres faziam reportagens grandes na madrugada. Às vezes, a entrevista do técnico que no programa de esportes vira uma pílula de 10 segundos, na madrugada era possível colocar na íntegra. Isso foi muito bom, foi muito bom fazer. E foi uma aposta porque até aquele momento, desde a Jovem Pan, a madrugada tinha notícia com música, e na Bandeirantes antes daquela mudança, era música e notícia. E nós resolvemos fazer só jornalismo. Eram 4 horas, da meia noite às 4h, só de jornalismo. Então nem daria para fazer um noticiário “pa-pa-pa-pa”, porque eram quatro horas.

CB – Eu acho que você deixou muita gente com saudade. Eu lembro que era uma época romântica também, porque você podia, lógico, que desde que trabalhando na Bandeirantes, pegar um telefone a qualquer momento, atendia o produtor e você falava “eu tenho uma informação”. Podia ser 2h, 3h da manhã. “Quero falar com o Zaidan, é possível? O Zaidan está abordando tal assunto? Queria falar com ele”. Às vezes a gente entrava, por puro prazer, então aquilo me dá saudade, que aquilo era o mais perto de algo puro que o jornalismo chegou. Quer dizer, pessoas que faziam por prazer.

CZOlha, era um time muito bom. Quando cheguei lá, o Fiori [Gigliotti] era o narrador. Tinha também o Orlando Duarte, o Roberto Monteiro, o Dalmo Pessoa, o Cândido Garcia…

CB – Ah, era muito gostoso. Dá muita saudade, viu?! Foi uma grande escola. Era gente muito boa, que eu escutava há muito tempo como você, o Dalmo Pessoa, o Ricardo Capriotti. Apesar da pouca diferença de idade, eram pessoas que eu admirava muito, então a gente tinha que manter o padrão. Zaidan, o que você imagina da sua vida daqui pra frente na profissão?

CZÔ Blota, é o que eu sempre falo para os meus filhos, para a minha mulher: só Deus sabe. Eu imagino que vou trabalhar até o último dos meus dias, porque preciso trabalhar e continuo como estava no início, precisando do salário que eu tenho para pagar as contas. Então só Deus sabe. Claro, isso a gente não decide sozinho, é preciso que alguém queira o seu trabalho. Mas às vezes chega um momento, e eu já vi muitos colegas passarem por isso, e gente que eu achei que tinha uma história formidável – Orlando Duarte, Claudio Carsughi –, que de repente a empresa diz “não precisamos mais do seu trabalho”. Então você não tem essa garantia. O empregado está sempre sujeito à empresa chegar e falar “olha, muito obrigado por tudo, não precisamos mais do seu trabalho”. Agora, enquanto precisarem e quiserem, dentro dessas circunstâncias, porque preciso, vou continuar trabalhando. Enquanto eu conseguir, enquanto tiver a mínima capacidade para isso. Porque é um trabalho, como você sabe muito bem, muito exigente. Não é uma coisa mecânica. Cada dia tem uma exigência nova, tem que abordar um assunto novo.

E no momento, é interessante o que está acontecendo. Por exemplo no esporte, você tem uma geração que acompanha a NBA, acompanha o futebol, futebol europeu, porque hoje tudo isso está disponível, e antigamente não estava. Eu me lembro até hoje do primeiro jogo que eu vi da Holanda em 1974: foi Holanda e Uruguai e a gente ficou perplexo com aquilo. Os jogadores uruguaios não entenderam o que estava acontecendo. E olha que a Holanda tinha 4 títulos, mas ninguém via isso na América do Sul, porque não passava. A gente foi ver aquilo na Copa, com esse primeiro jogo Uruguai vs. Holanda, que o Uruguai não viu a bola. Hoje não, hoje você vê tudo. Vê o campeonato italiano, espanhol, inglês, russo, turco, chinês. Você vê NBA todo dia, os principais torneios de tênis, você está vendo tudo, é muita informação. Mas é uma geração que tem aproveitado isso bem e não é monotemática, não fala só de futebol. Consegue acompanhar diversos esportes e não só no Brasil, mas no mundo.

Por outro lado, há um problema, esse é muito mais profundo no jornalismo. A gente nota isso em um país que nunca teve censura, porque nunca teve uma ditadura, os Estados Unidos. E a imprensa americana consolidou a imagem dela por décadas como uma imprensa independente, fiscalizadora e sempre mantendo o pé atrás em relação ao poder, porque essa é a cultura da formação dos Estados Unidos como nação. Mas nos últimos tempos New York Times, Washington Post, NBC, CNN americana se tornaram veículos proprietários. Deixaram de fazer jornalismo para fazer política ideológica e viraram panfletos.

A cobertura na eleição do ano passado foi asquerosa. Havia problemas levantados a respeito do Joe Biden, por exemplo, em relação ao filho dele, Hunter Biden, pelas relações com a Ucrânia e alguns veículos continuaram levantando aquela questão e jogando para debaixo do tapete para uma agenda política. E hoje você vê o New York Times, olha que absurdo!, com editoriais pedindo censura das publicações que tem uma linha de pensamento diversa da deles. No Brasil, há uma reprodução disso, porque é natural a imprensa ostentar ou ela tem a imprensa americana como referência. E há uma reprodução disso na Europa e na América do Sul, particularmente no Brasil. Uma espécie de patrulha permanente. Os valores são esses e quem não diz isso tem que ser boicotado, ser censurado. Isso é o anti-jornalismo. O jornalista tem que ser independente, mesmo! Não é uma expressão vazia. O jornalista não é porta-voz. O jornalista não tem que ser porta-voz do Bolsonaro, do Lula, do Ciro, do Doria, do Biden, do Trump, do banco que patrocina a empresa onde ele trabalha e nem da própria empresa onde ele trabalha. O jornalista não pode ser porta-voz, porque isso não é jornalismo. Ele pode ser porta-voz como porta-voz oficial, aí é a função. Mas o porta-voz informal, às escondidas, fingindo que faz jornalismo quando na verdade ele é o porta-voz de alguém ou de alguma causa, partido ou de uma empresa… Hoje você tem porta-voz no jornalismo até de ministro do Supremo. É um absurdo! Você tem porta-voz do Bolsonaro, Lula, do Gilmar Mendes, Doria. Isso não é jornalismo! O jornalismo tem que ser independente e se aquilo que você está publicando contraria o que você pensa, não importa. Você está publicando fatos.

Aí, claro, vem análise. Para análise, você tem os analistas. Um vai escrever uma coisa, outro vai escrever outra e o leitor – ou o ouvinte de rádio ou telespectador ou o leitor de internet –  vai ver as diversas análises e vai apoiar essa, discordar daquela. Pronto! É um direito do consumidor de notícias. Agora, uma coisa é a linha editorial.

Uma coisa muito legal nos EUA é a imprensa, a linha editorial e os editoriais apoiarem candidaturas. Perfeito. É transparente: apoiamos o candidato tal. Agora, o noticiário não pode ser contaminado pela posição editorial e infelizmente isso tem acontecido. O noticiário virou panfletário, ou seja, ele serve a uma ideia. Se a notícia, se o fato contraria a ideia, ou eles vão mudar a narrativa ou vão esconder o fato. Isso não é jornalismo. Isso pode acontecer na Coreia do Norte, onde a imprensa é do Estado; na China, imprensa do Estado. Mas em democracias é terrível que isso esteja acontecendo e está. Infelizmente está.

Por outro lado, são momentos, são ciclos. Eu imagino que com o tempo haverá reações a isso, porque tem muita gente boa fazendo jornalismo. E o que a gente espera é que eles não cedam a esse tipo de coisa e trabalhem sempre com independência, com liberdade e honestidade. Se a notícia contraria sua opinião, dê a notícia. Honestidade é obrigação, não é qualidade. Então, independência, honestidade e liberdade. Sem isso, não há jornalismo, Blota.

CBConcordo plenamente, Zaidan. Na sua carreira, tem um momento em que você se lembre com carinho?

CZAh, eu acho que momentos importantes geralmente são momentos que fogem à normalidade, é claro, e momentos difíceis. Nós fizemos algumas coberturas muito interessantes, mas sempre em momentos difíceis. Aquela tomada da embaixada japonesa pelo Sendero Luminoso – inclusive o Grupo Bandeirantes mandou o Eduardo Castro para lá e ele entrava ao vivo. Foi uma cobertura muito boa, muito especial. Aquele terremoto em Kobe e até pelo fuso horário eu estava na madrugada – era manhã ou à tarde no Japão – então três da manhã no Brasil, três da tarde no Japão, e a gente conversando com brasileiros que moravam na região. Um momento difícil, com milhares de vítimas.

E também questões locais. Eu me lembro de uma enchente que foi além da conta na marginal do Rio Tietê e os bombeiros não conseguiam mais atender às chamadas. As pessoas ligando “ah, meu familiar está ilhado”, então já tinha celular – precário, mas tinha. As pessoas ligando “estou aqui em cima do carro” e os bombeiros não conseguiam atender mais para saber onde estavam as pessoas para mandarem os botes ou helicópteros. E o que os bombeiros fizeram? Começaram a sintonizar nas rádios para ter uma ideia de onde estava o problema, qual região devia ser socorrida, onde havia mais gente para ser resgatada. Esse tipo de trabalho é fantástico, porque você não está ali comentando ou trazendo a notícia, você trata de ajudar os bombeiros a salvar vidas. A salvar pessoas.

CB – As pessoas precisaram do rádio mais uma vez, né?!

CZ – Sem dúvidas. Agora, quanto a uma retrospectiva, tem momentos bons também. Final de Copa do Mundo, fazer uma final de Copa com um cara igual Zé Silvério, que é uma lenda da narração…

CB – É, ele já falou aqui com a gente (na coluna)… Leia a entrevista com Zé Silvério clicando aqui.

CZÉ, então! Isso é gratificante. Tem esses momentos. Os jogos de 2012 em Londres – eu estava no Brasil, não fui, mas tinha gente lá e a gente conseguiu fazer uma cobertura muito boa. São os momentos assim que são positivos. Mas é interessante que nas crises é que você tem exigência maior e talvez seja por isso que a gente se lembre mais dos momentos de crise. Crise política ou uma crise provocada por um problema natural, como chuvas etc.

CBVerdade. Zaidan, eu conversaria com você até o final da semana, mas eu tenho uma última pergunta. Essa é uma pergunta padrão para quem eu converso. O que essa pessoa gosta de fazer. O “por trás da tela” vale para rádio também, porque hoje, como eu explico na coluna, as pessoas não falam mais como antigamente, elas falam com uma câmera. E você também já participou de televisão, não só de rádio. Então o por trás da tela é um sentido metafórico, figurado… Enfim, o que você gosta de fazer fora do trabalho?

CZ Ficar com a minha família: meus filhos, meu neto, minha mulher. Ler a Bíblia. Ler outras coisas – a gente vai ficando cada vez mais seletivo naquilo que lê. A Bíblia é essencial, sempre. Eu estou lendo agora Os Sertões, do Euclides da Cunha – um gênio. Só um gênio poderia escrever tudo aquilo. No ano passado, tinha lido outro gênio da literatura brasileira, o Graciliano Ramos. “Memórias do Cárcere”: só um gênio poderia escrever aquilo. Isso que dá prazer. E gosto de ver jogo de futebol desde sempre, gosto muito. Quando passa um Bang-Bang daqueles bem antigos, gosto também, porque gosto demais de um Velho Oeste.

CBAdoro também, Zaidan. Se tivesse um “Bandeirantes a Caminho do Sol”, ia entrar de madrugada só para conversar com você sobre um Bang-Bang antigo que eu também adoro. Por trás daquilo tudo tem uma história fantástica da colonização americana e também da natureza do ser humano, que eles retratam muito…

CZTá louco. Tem coisas geniais. Se você pegar diretores como Sérgio Leone e John Ford, os caras fizeram obras primas.

CB – Verdade. Zaidan, muito obrigado pela sua visita aqui na minha coluna. Nem você imagina o quanto eu fiquei feliz.

CZBlota, a honra é minha, a alegria é minha. Você é uma pessoa extraordinária. Sempre te falei isso. Você, além de um profissional extraordinário, é uma pessoa de quem todo mundo gosta. Quando você saiu da rádio, todo mundo lamentou. Então é muito bom poder conversar com você e sempre que quiser estamos à disposição.

CBBom saber. A gente sai, mas os laços ficam. Continuamos conectados com as boas pessoas. De uma maneira ou outra, sempre conversando, sempre mantendo contato. Muito obrigado, Zaidan. E agradeço a você, leitor, que acompanhou essa aula de rádio e de jornalismo comigo

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