Falsos rivais

A briga de chefes de TV aberta me faz rir

Chefes de emissoras de TV aberta parecem inimigos, mas são bons camaradas

Publicado em 23/09/2020

Acompanho o noticiário e sempre ouço alguém dizer que os chefes das emissoras de TV aberta estão em guerra, brigam por contratações, que vão fazer a diferença na programação de determinado canal.

Na verdade a briga deles é igual a jogar truco com amigo em um churrasco. Você perde o jogo, fica bravo, mas não passa disso. Quando um formador de opinião diz que as emissoras estão em pé de guerra quer audiência para o meio de comunicação no qual trabalha, só pode ser.

Ou chamar atenção para uma TV que precisa de mais telespectadores. Eu começo a rir quando vejo alguém falar que a emissora “A” está brava com a emissora “B” porque contratou determinada pessoa. Há também a história da TV que fez justiça com o desempregado, largado por outra emissora, e o acolhe.

Na verdade o que se nota é a ilusão. Ninguém tira determinado profissional de TV aberta sem o consentimento do concorrente – muito difícil. Às vezes aquela pessoa não interessa mais para um canal e os “amigos chefes rivais” (vamos chamar assim) pedem para o outro contratar, ou deixam a transação fluir.

Eu não estou falando somente dos donos de TV, mas também de outros que ocupam algum cargo e querem se perpetuar. Eles não se incomodam com a situação e até preferem a saída do antigo parceiro, desde que ocorra de maneira suave. Claro que o contrário vai acontecer, e começa a troca de favores.

Ao mesmo tempo, se um empregado sair de uma TV brigado com um “poderoso” (uma briga de verdade), dificilmente ele vai conseguir contrato com outra emissora. Para isso existe um grupo fechado, para punir e dar o exemplo de obediência. Sim. Ninguém fala, mas isso existe. Eles viram muito o filme O Poderoso Chefão – ou a animação O Poderoso Chefinho.

Quando alguém é demitido de uma emissora de TV e aceito por outra, pode ter certeza que a briga é de “mentirinha”. É mais fácil briga interna na empresa (muitas funcionam como feudos – lembram-se das aulas de História sobre a Idade Média?), do que briga externa, que significa trazer mais prejuízo ao bolso furado.

O chefe precisa se justificar aos ouvintes, governo, patrocinador, enfim, opinião pública e se desfaz do empregado ou contratado por conveniência. Mas, por debaixo dos panos, arruma outra posição, para que o demitido possa continuar a vida.

Bondade? Não. É medo, rabo preso, ou grana envolvida. Há um código invisível no reino dos empresários. A conduta formada por anos de desigualdades e desmandos.

Quando alguém é demitido por causa dos grupos que disputam o poder dentro da “mesma” emissora, pode ter certeza que vai encontrar abrigo em outro canal, claro, se fizer parte de outra “equipe política coirmã”. E assim os jogadores se perpetuam no tabuleiro desgastado de um xadrez enfadonho.

Cria-se um círculo vicioso. Sempre as mesmas pessoas, os mesmos trejeitos, a mesma conversa, o mesmo projeto, a falsa democracia, a fila interminável dos mesmos contratados e recontratados, que somem e aparecem da TV, sem trazer muitas novidades, dentro de fórmulas cansativas de comunicação.

Os grandes chefes acham que é eficaz manter os mesmos hábitos de se tolerarem por trás da tela, ao mesmo tempo em que fingem brigar nas notícias chulas. Eles acham que o mundo se resolve com charuto, bebida, conversa e risada. Sinto informar, mas a era Mad Men acabou.

O dinheiro não aparece mais com tanta facilidade. Muito se deve a outros fenômenos como o streaming. Outras potências de comunicação estão surgindo e os barões não sabem mais o que fazer para fechar a conta no azul. Quando não há dinheiro, os impérios se acabam e os temíveis lobos não passam de raposas assustadas.

Não conseguem mais controlar os propagadores de mensagem, não detém mais o poder de demitir, realocar, ou “fritar” um profissional que os incomode. Não há como parar milhões de pessoas, que opinam em redes sociais.

As reuniões internas de censura, travestidas de democracia, na tentativa de impedir determinada pessoa de se manifestar, ficaram mais difíceis, e a porta antes intransponível foi derrubada por comunicadores das redes sociais. A situação saiu do controle.

A renovação nos meios de comunicação começou há mais de 20 anos (no mínimo), e as TVs abertas acharam que o dia da diversidade de opinião nunca chegaria, ou não com essa força.

Concorrente? Pensaram que um simples site fosse algo em um futuro distante, ou que seria uma simples continuidade do canal. Imaginaram que pouco investimento no setor seria suficiente para manter a hegemonia.

Mas na internet alguns profissionais conseguiram exercer a comunicação como ofício, longe das grandes empresas de comunicação, por vocação, o que torna a causa mais bonita.

Outros entenderam que o mundo da TV é efêmero e partiram para outras aventuras, outros ofícios, com mais felicidade e qualidade de vida. Esse colunista conhece bons exemplos.

Isso agravou a situação das TVs abertas que dominavam o mercado, a ponto de não poderem mais usar a desculpa do “Você trabalha para mim e se autopromove”. A velha chantagem do “Faça o que eu quero, ou você perde a chance de crescer” também está se desfazendo como gelo.

Os majestosos impérios não se sustentam. Não conseguem se manter nem na propaganda. Outros caminhos estão se abrindo, vozes antes caladas estão falando em bom som. Muita gente com credibilidade está quebrando as algemas de um sistema arcaico e fechado de comunicação.

A audiência está aprendendo, aos poucos, a escolher, ou pelo menos a saber que há mais do que uma ou duas fontes de informação. Com o tempo um mundo de outras possibilidades vai se abrir, ainda mais, e as novas gerações que já nascem na internet terão mais facilidade em se expressar.

Enfim, os chefes de TV aberta preferiram crer que a máfia da comunicação seria trancada a sete chaves, controlando seus empregados. Mas o baú foi arrombado, muitos podem emitir opinião sem passar pelos terríveis testes de admissão ou crivos questionáveis.

Atenção chefes de emissoras de TV aberta… Bem-vindos ao futuro! Boa sorte, ainda há tempo. Será?

*As informações e opiniões expressas nesse texto são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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