Virou rotina

Ratinho esquece o entretenimento e faz do SBT “quintalzão do Bolsonaro”

Em mais uma entrevista "engana trouxa", apresentador vende o presidente como herói

Publicado em 31/07/2021

Nosso programa é popular e nem todos os presidentes gostam de dar entrevista para programas populares“, justificou Carlos Massa, o Ratinho, antes de colocar no ar em seu programa mais uma entrevista com o presidente (e seu amigo pessoal) Jair Bolsonaro.

No bate-papo de compadres, no entanto, o apresentador agradeceu pelo almoço com o governante e brincou ao afirmar que teve dificuldade em conseguir uma entrevista com ele: “Seis meses tentando“, proferiu Ratinho. Mas claro, o comentário muito provavelmente foi na maior ironia.

Bolsonaro concedeu duas entrevistas ao apresentador pouco antes de seu programa ser paralisado em decorrência da pandemia. E, cabe dizer também que desde a volta dos programas inéditos, Ratinho tem servido bem à bolha bolsonarista ao puxar a cadeira para membros do gabinete do presidente.

A lista é grande: Marcos Pontes (PSL), Fábio Faria (PSD), Sergio Moro (ex-ministro da Justiça), Abraham Weintraub (ex-ministro da Educação), Damares Alves (PP), Pedro Guimarães (Presidente da Caixa Econômica Federal), Marcelo Crivella (ex-prefeito do Rio de Janeiro), Tarcísio Gomes de Freitas (Ministro da Infraestrutura). Mário Frias, atual secretário da Cultura, pelo andar da carruagem, deve ter entrado na mira também.

O quadro Dois Dedos de Prosa, criado na década de 2000, nunca antes na história de sua existência serviu tanto como palanque para o governo como agora. E bem como na vez anterior, Ratinho desembarcou em Brasília para falar com o presidente.

Para seus seguidores, o apresentador salientou que questionaria Bolsonaro sobre assuntos que o povo quer saber. Na prática mesmo, a história foi outra. Ratinho disse que seria uma “bobagem” falar das suspeitas de irregularidades na compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. “Nem comprado foi“, opinou o apresentador. Assunto colocado em pauta mas não debatido – o velho engana trouxa.

Ratinho, então, cometeu mais um equívoco: atribuiu à imprensa e a classe artística achismos sobre o atraso na compra da vacina para o Brasil. Disse também que faria uma pergunta que um jornalista “normal” não teria coragem de fazer.

Foi então que o saldo devedor de Cuba, Venezuela e alguns países da África com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrou em pauta. A abordagem do tema ocupou quase 4 minutos da entrevista.

Mas o que estava por vir era ainda mais risível. O eterno pupilo de Silvio Santos conseguiu descer o nível e perguntar o motivo pelo qual o “amigão” prefere fazer passeata de moto e não de bicicleta. A resposta foi uma merda, a mesma merda que deu o tom da entrevista dali por diante.

Ratinho provavelmente não leu os jornais no dia da gravação ao comentar sobre um suposto crescimento do Brasil. “Como é que se explica em plena pandemia, todos os países com problema e o Brasil crescer?“, perguntou ele, ao tempo em que o noticiário informava que a taxa média de desemprego no Brasil foi de 14,4% no trimestre móvel de dezembro a fevereiro. O que significa que 14,4 milhões de pessoas estão na fila por um trabalho no país, o maior contingente desde 2012.

Jair Bolsonaro mais parecia contando piadas que respondendo perguntas. Numa dessas, Ratinho quis saber, na opinião do amigo, qual seria a melhor maneira para uma pacificação entre direitistas e esquerdistas. O presidente teve a coragem de dizer que “falta informação”.

O comentário vem um dia após o presidente promover uma live patética, anunciada como o momento em que ele apresentaria provas da insegurança do sistema eleitoral brasileiro. O que se viu, contudo, foi uma série de ilações sem respaldo, que foram desmentidas em tempo real pelo perfil do Tribunal Superior Eleitoral no Twitter.

Supostos “ataques” da imprensa e a imunização de Bolsonaro também foram os assuntos em questão. “Só tem críticas, mais nada. Quando dá uma boa notícia tem ‘vírgula e mas'”, disse o presidente, que neste momento demonstrou irritação e pediu para continuarem gravando tudo que ele falasse.

O que está em jogo é o futuro do Brasil. Ou você acha que se o pessoal da esquerda voltar vai ser um negócio maravilhoso aqui. Vai voltar aquela quadrilha toda que roubava o Brasil. Olha o que o Lula acabou de falar sobre Cuba. Que lá está maravilha. Ele elogiou o povo e o governo cubano.

Não tem que elogiar o time que perdeu. O que está em jogo é isto. É o futuro das eleições. Temos que ter responsabilidade, quando se vota tem que votar com responsabilidade. O que está em jogo é isso, o que está em jogo é a minha vida. Eu arrisquei a minha vida durante as eleições.

A entrevista terminou após quase 35 minutos ininterruptos, deixando a sensação de cansaço e perda de tempo. O Ratinho precisa urgentemente voltar atenção total para o formato do seu programa para que ele faça valer a sua existência na grade do SBT.

Parado no tempo com quadros ultrapassados, o apresentador perdeu uma enorme parcela de audiência nos últimos anos ao desconstruir sua imagem de comunicador que fala diretamente para o povo e pelo povo. Sua ideologia política tem tomado seu lugar na televisão, e o pior, isso não é motivo de preocupação para ele.

Ratinho é um dos mais brilhantes nomes da história da televisão brasileira, construiu sua carreira com programa popularesco e hoje, além da TV, também é um homem negócios e a cabeça por trás de muitos nomes de sucesso por aí.

Dono de um império que gera milhares de empregos diretos e indiretos, infelizmente Ratinho arranhou sua imagem ao se vender para um governo genocida. Depois que tudo isso passar, é rezar para que o público afugentado volte, porque esquecer, ninguém vai.

* As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade do seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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