Entrevista

Como Carlinhos de Jesus driblou relações na Globo para o ‘Super Dança’: “Amigos, amigos…negócios à parte”

Expoente da área, o artista precisou policiar sua proximidade com amigos participantes

Publicado em 29/08/2021

Já fui convidado a me retirar de um grande clube da alta sociedade carioca“, proferiu Carlinhos de Jesus, o antológico dançarino e coreógrafo com mais de 30 anos de carreira, ao relembrar a única vez que cometeu um ato de vingança na vida.

Anos depois, ao se projetar internacionalmente e ter sua trajetória televisionada pela Globo, foi contratado para a celebração de 100 anos deste mesmo clube, mas ao final da apresentação, ainda no palco, escancarou para o público o preconceito vivido ali, no passado. “Aqui não é o seu lugar. E eu sai“, contou ele, as palavras ouvidas à época.

Com alma de gafieira, aos 10 anos ele já era um expoente da dança e impressionava nos bailes, puxando as ‘menininhas’ para dançar, muitas das vezes, filha de alguma amiga de seu pai. “Qualquer colega meu que chegava [no baile] não era tão bem recebido quanto eu. Meu pai achava o máximo.”

Mas nem tudo era como o animado garoto sonhava – ao pedir para ser colocado numa academia de dança, Carlinhos de Jesus foi obrigado a aprender jiu-jitsu. “O preconceito sempre existiu, e ainda existe. Hoje ninguém me chama mais de ‘veado’, até porque é politicamente errado. Na época era pejorativo. A forma de me agredir era essa, mas eu nunca dei muita importante a isso.

Carlinhos de Jesus (Reprodução: Instagram)

Hoje, aos 68 anos e com mais de uma dezena de importantes prêmios na carreira, o gabaritado profissional conclui mais um ciclo de trabalho. Chega ao fim neste domingo (29), o Super Dança dos Famosos, a maior competição de dança da televisão brasileira, em que Carlinhos é júri técnico desde o inicio.

Lançada no ano de 2005 como quadro do Domingão do Faustão, a atração, um formato implantado pela Endemol Shine Brasil, a mesma do Show dos Famosos, teve 17 temporadas, até que, neste ano, se tornou um programa solo apresentado por Tiago Leifert.

Em entrevista exclusiva à coluna, Carlinhos de Jesus faz um balanço desses anos todos de dedicação à classe artística dentro do projeto e como isso transformou a ideia do público sobre a dança. Um paralelo entre Fausto Silva e Tiago Leifert também foi analisado pelo renomado artista brasileiro.

É muito bom o ambiente lá. É engraçado, eu já conhecia o Tiago da televisão, já curtia, ele é jovem, a forma dele falar, aquele jeitão tímido dele, é um tímido descontraído, e ele fala um termo atual sem ser muito moderno que um sexagenário como eu não entenda. É uma linguagem muito atual de televisão.

O programa tomou outro rumo completamente diferente. Não que o rumo anterior não tenha sido, também, tão grandioso. O Fausto, é um cara incrível. Os momentos que eu vivi com o Fausto, foram uma grandes escolas – do lidar com programa ao vivo, são essas experiências que eu trago.

Ao vivo não tem como editar: saiu, saiu! É saber como você se safa daquilo que já foi visto. E o gravado, que você tem ponto de corte, é ver como é que você trabalha aquilo para que continue com a mesma emoção sem perder o pique. Isso pra mim é muito gratificante.

São dois grandes momentos diferentes, com dois grandes apresentadores de estilo completamente diferenciados, com carismas e talentos diferenciados, talentos diferenciados, e só quem ganha sou eu. São momento bem diferentes.

Carlinhos de Jesus, Fausto Silva e Ana Botafogo (Reprodução: Instagram)

Confira a entrevista completa com Carlinhos de Jesus!

CS – Temos uma nova geração de grandes artistas (brasileiros ou não) ganhando o cenário internacional, mas sem criar uma marca/identidade com a dança, bem como ocorria muito no passado. Podemos citar Michael Jackson, Elsvis Presley e Beyoncé. Existem nomes da atualidade que você enxerga como as grandes promessas para o futuro? A dança também é uma forma de comunicação entre povos e departamentos sociais e profissionais?

CDJ –Eu poderia te apontar vários. A dança pra mim, não é a dança de salão. O Diogo Nogueira dançar samba no palco, ou a Marisa Monte ou a [Maria] Bethânia fazer uma corrida no palco e ter uma expressão facial. Isso tudo pra mim é uma performance artística.

Eu não posso exigir que você, como um jornalista, que eu trabalhasse você para que dance samba. É a expressão, você vai ter a sua movimentação, o seu caminhar no palco, o seu olhar, a sua interpretação, o seu conceito daquilo que você está levando para o seu público.

No ‘Super Dança’ eu vejo a coreografia, porque ali é dança, mas ali eu vejo expressão, terminações, direção, intensão, a verdade que eles querem passar com aquela dança. Qual o conceito da dança? Ele tem uma história, ele esta contando uma historia, se ele atinge isso, você esta no palco e passar a mensagem, a comunicação é fundamental na arte.

Então, eu vou estudar isso. O que você quer alcançar com isso? Qual a forma de expressão que você vai ter que usar? O que você pode usar a seu favor para você passar essa mensagem? Sem que você seja um dançarino, você é um jornalista.

Então, é o movimento, a sua performance corporal é que agente vai trabalhar, a dança é a primeira forma de comunicação do homem como ser. É através da dança, do movimento, da negativa, da afirmação, do olhar pro céu, do olhar pro chão, o movimento daqueles homens, eles se comunicavam. É isso que a gente busca.”

CS – A televisão tem papel social e cultural muito importante, e que atinge a grande massa. Levando em consideração o sucesso do gênero do ‘Super Dança’ e sua função em vários aspectos, principalmente pela inclusão, você acredita que as emissoras deveriam tratar melhor e com maior abrangência atrações do gêneros?

CDJ –Se eu disser que sim, você vai achar que eu estou legislando em causa própria, mas posso dizer que sim com toda afirmação. A gente vê, além do retorno que eu tenho nas ruas, sempre tive nas redes sociais e a há mais de 20 anos pra cá, eu tenho, através da Dança dos Famosos, com o Fausto, na Globo, um alto número de audiência e no interesse das pessoas. É na Dança.

Além do mais, eu vivo com a Ana Botafogo (bailarina e atriz), tem mais de 15 anos que estamos juntos em trabalhos, além de outras dezenas de anos que convivemos em festivais, mas nunca me aproximei, hoje nós estamos sempre juntos, a gente percebe o quanto, independente da linguagem da dança, mas o quanto ela dança como um todo, seja ela popular, folclórica, clássica, moderna ou contemporânea, ela atrai um interesse do publico.

Em praças publicas, você pensa: ‘vamos colocar uma orquestra sinfônica e a Ana Botafogo de ponta’. ‘Mas isso é para um público Zona Sul, intelectualizado, mas não.

A Ana quando dança na Marquês de Sapucaí ou numa área pobre da cidade, desprovida de cultura, de acessos, de qualidade de vida, ela é tão aclamada quanto ela está num teatro.

Então, existe um interesse, a dança, talvez por ser uma forma de expressão, talvez por passar uma mensagem não moralizada, é corporal, é física, ela atinge o publico e o espectador de outra forma.

Então, eu diria, o sucesso absoluto do programa do Fausto e que hoje virou o Super Dança, e que existe o interesse da Globo em dar continuidade num programa de domingo, sendo um quadro ou somente ser um programa como está sendo agora. Vamos ver! Existe sim, o interesse.

Se faltam mais programas como este? Eu diria que sim. Quantos houverem, todos serão bem assistidos e bem prestigiados. A Glória Perez, todas as novelas dela sempre tem um núcleo de dança. É um caso raro. Lá fora existem grandes campeonatos mundiais todos os anos. E durante esses torneios é que você ganha visibilidade e isso é uma constante o ano inteiro.

CS – De 2005 para cá, foram mais de 100 participantes do ‘Dança’. Como é a relação entre júri e os artistas, uma vez que boa parte deles fazem parte do seu ciclo de amizades?

CDJ –Eu já tive problema das pessoas ficarem magoadas com a minha avaliação, com a minha nota, não entenderem o meu ponto de vista técnico. Mas é uma questão de opinião. Passou um tempo sem falar comigo e hoje a gente se fala. Eu chego lá (na Globo) e entro no meu camarim.

Acabou (o programa), saio do estúdio direto para o carro e vou me embora. Procuro não me relacionar nos bastidores. Eu conheço todo mundo que esta ali, alguns são meus amigos. Eu sou amigo da Paolla Oliveira e não dei 10 para ela. Sou amigo da Viviane (Araújo) e da Dandara (Mariana) e não dei 10 para elas.

Eu vi falha na edição gravada, no ar, que eu não vi na hora que eu estava lá. Se eu tivesse visto na hora, eu teria falado. Mas a Globo mostra. Estava ali, bem claro, e eu não vi. Mas eu procuro ser muito honesto com as minhas coisas, amigos, amigos e negócios à parte. Sou um profissional, acima de tudo.

A medida que o programa foi passando de edições para edições e isso foi melhorando, as pessoas foram entendo a visão mais profissional da coisa e não dizendo que a ‘Dança’ era uma brincadeira. E eu já vi pessoas dizendo isso. Eu me divirto com isso, mas é coisa séria.

CS – Carlinhos de Jesus também está com atenções voltadas para um importante projeto, idealizado há anos e colocado em prática entre 2018 e 2019. Um workshop voltado para artistas; músicos e dançarinos. Como foi construir o projeto e como é captar recursos no Brasil de hoje para investimento em cultura?

CDJ –Temos um casal de Fortaleza, octacampeão mundial de salsa. E eu não estou nem falando de samba e forró, que está no sangue. O cara vai pra fora aprender um ritmo latino que não é da sua área de conforto e se torna oito vezes campeão.

Eles moram em Miami porque o casal só sabe fazer isso: DANÇAR! Hoje eles tem uma filha e vivem em Miami porque eles trabalham um ano inteiro dançando, coisa que é difícil no Brasil. Carlinhos de Jesus no Brasil é difícil.

Quem dera tivesse uma porrada de Carlinhos de Jesus por ai. Talentosos não faltam. Mas que as portas se abrissem, é difícil. A lambada se tornou sucesso no Brasil porque foi sucesso no mundo inteiro antes. Precisa sair daqui fazer sucesso lá fora pra voltar.

Antes eu encontrava dificuldades no grau 100. E eu fui baixando. Hoje estamos no grau 50, mas precisamos zerar ainda. Mas existe muito preconceito ainda. O primeiro (preconceito) foi na coisa do homem dançar. Depois o preconceito social.

Agora tenho um estúdio em Copacabana e em São Paulo, em Santana, na Parada inglesa. O projeto surgiu ao longo da experiência profissional, mas veio se tornar um projeto, de dois para três anos pra cá.

Ao longo da minha vida naturalmente eu estava envolvido com artistas de todas as formas de expressões de arte: cantor, ator, atriz. E eu sempre trabalhando através da dança, quando eu me via estava envolvido numa orientação artística quanto a postura, no palco, na plateia.

Ao longo do tempo fui percebendo que não bastava o talento do artista, ele tinha que ter outros trabalhos ligados à arte, outras habilidades para que ele pudesse ter êxito na profissão. E depois, isso se tornou um projeto que foi calcado de toda experiência que eu tenho de mais de 30 anos.

AS INSCRIÇÕES ESTÃO ABERTAS NO SITE: https://lepacademy.com.br/metodopin

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