Em sua estreia no horário mais nobre da Globo, a autora Lícia Manzo manteve intacto seu estilo que encantou em suas novelas das seis, A Vida da Gente e Sete Vidas. Um Lugar ao Sol, assim como suas antecessoras, primou pela trama de tom realista, excelentes diálogos e nuances sensíveis, que buscavam desvendar a alma humana, suas complexidades e contradições.
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Porém, ao seu estilo muito particular, a autora acrescentou um tom de thriller, além de construir uma crítica social contundente. Um Lugar ao Sol bebeu da fonte do “duplo”, ao narrar a saga de irmãos gêmeos idênticos na qual um assume o lugar do outro. Mas o fez à sua maneira, driblando os clichês de tramas deste tipo sempre que pode. E este foi seu ônus e seu bônus.
A opção por fugir do óbvio permitiu a Um Lugar ao Sol ir fundo na crítica social. Há uma terrível realidade por trás da decisão de Christian (Cauã Reymond) de assumir o lugar do irmão rico. A trama foi muito bem armada no sentido de explorar uma mesma situação sob óticas diferentes, desnudando uma sociedade que privilegia uns e torna outros invisíveis.
Neste contexto, Um Lugar ao Sol não narrou a velha trama do gêmeo bom x gêmeo mal. Renato (Cauã Reymond), o “gêmeo rico”, não era flor que se cheirasse. Já Christian era um homem de coração bom, que se deixou corromper ao assumir o lugar do irmão. A transformação de Christian num homem sem carisma e arrogante foi uma ousadia. Um Lugar ao Sol tinha um protagonista que não permitia ao público torcer por ele. Com isso, contou uma história diferente e instigante.
Por outro lado, Um Lugar ao Sol errou ao não abrir uma concessão que fosse aos clichês das tramas de gêmeos. O mais grave foi ter levado o segredo de Christian até o último capítulo e, pior ainda, ter feito da revelação um “anticlímax”. O público, justamente por não torcer por Christian, ansiava por uma revelação explosiva. Isso não aconteceu.
Além disso, por ter deixado a revelação do segredo para o episódio derradeiro, Um Lugar ao Sol não explorou com mais profundidade as reações dos personagens que foram enganados por Christian. Lara (Andreia Horta) explode em indignação e dá uns bons tapas em Christian ao descobrir a verdade. Foi bom, mas foi pouco. Faltou uma catarse mais envolvente.
Enquanto levou o segredo de Christian até o último capítulo, Um Lugar ao Sol andou em círculos. As inúmeras chantagens sofridas pelo protagonista e o vai-e-vem de suas relações com Bárbara (Alinne Moraes), Lara e Ravi (Juan Paiva) deixaram a trama cansativa. De repente, se o segredo fosse revelado antes, a trama ganharia mais fôlego e tomaria outros rumos.
Ainda assim, Um Lugar ao Sol tem mais méritos do que erros. A novela acertou com boas tramas paralelas, como a história de Rebeca (Andréa Beltrão), que viveu uma intensa e interessante crise de meia-idade. Todo o drama vivido pela modelo foi retratado de modo realista, com cores nunca vistas antes numa novela. Com altos e baixos, a personagem teve uma grande trajetória.
A trama envolvendo Ilana (Mariana Lima), Breno (Marco Ricca) e Gabriela (Natália Lage), ou o drama de Júlia (Denise Fraga), ou ainda a história de amor de Santiago (José de Abreu) e Érica (Fernanda de Freitas), e as diferentes emoções despertadas por Elenice (Ana Beatriz Nogueira), também são pontos positivos da novela da Globo.
Um Lugar ao Sol não conquistou o grande público, é verdade, e isso é culpa da própria novela. Afinal, não era uma trama de fácil digestão: era muito calcada em diálogos, cenas de terapia e conflitos psicológicos. Ou seja, tinha zero apelo popular. Mas, ao mesmo tempo, foi uma trama de personagens instigantes e muita sensibilidade, que ofereceu fortes emoções.
*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.
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