Crítica

Ao dar espaço a Rebeca, Um Lugar ao Sol propõe novas discussões sobre o universo feminino

Lícia Manzo aprofunda as questões pertinentes às mulheres maduras

Publicado em 26/11/2021

Após muitos capítulos voltados apenas à saga de Christian (Cauã Reymond), que assumiu o lugar do irmão gêmeo Renato (Cauã Reymond), Um Lugar ao Sol agora se abre a novas tramas. E Rebeca (Andréa Beltrão) é o principal trunfo da história até aqui. A personagem levanta questões pertinentes ao universo feminino pouco (ou nunca) visto numa novela das nove da Globo.

Rebeca é uma mulher contemporânea, na faixa dos 50 anos, que se mostra aos outros muito solar e disposta. Mas, na verdade, convive com frustrações que são comuns às mulheres maduras. Ela lida com um casamento fracassado e tedioso, uma carreira na qual tem cada vez menos espaço, e até mesmo com as reprimendas de sua própria filha.

Nesta semana, uma cena em que Rebeca aparece se masturbando causou comoção entre o público da obra. Alguns devem ter ficado chocados, mas muitos aplaudiram a sequência. E quem aplaudiu, certamente, compreendeu bem a importância da cena. Aquele momento diz muito sobre Rebeca, onde ela está e para onde ela vai dentro da história de Lícia Manzo.

Rebeca se masturba logo após negar sexo ao marido, Túlio (Daniel Dantas). Que, diga-se, negou sexo a ela naquele mesmo dia. Após recusar um momento íntimo com o companheiro, Rebeca acaricia a si mesma e é flagrada por Túlio. A partir daí, há toda uma discussão de relacionamento que culmina com Túlio indo dormir na sala.

Ou seja, não se tratava de uma simples cena gratuita de masturbação feminina. Era toda uma sequência que revelava o íntimo de Rebeca diante de uma vida que vai lhe deixando cada vez mais invisível. O diálogo irretocável travado por ela e seu marido mostra quantas questões mal resolvidas surgem em meio a um casamento falido.

Tudo isso levará Rebeca a se ver envolvida com Felipe (Gabriel Leone), um rapaz 30 anos mais jovem, mas que dá a ela a atenção que ela já não tem em casa. Será através deste relacionamento que Rebeca buscará se libertar desta vida invisível, que é tão comum às mulheres de sua idade. É uma discussão relevante, plena e muito bem construída em Um Lugar ao Sol.

Lícia Manzo

Com a trama de Rebeca, Lícia Manzo entra num terreno que sempre foi explorado por Manoel Carlos. O autor veterano criou a maioria de suas Helenas neste universo da mulher que chega aos 50 anos com muitas questões. Entretanto, Lícia dá um passo além. A discussão em Um Lugar ao Sol se mostra muito mais profunda do que as vistas em novelas de Maneco (sem desmerecer as novelas de Maneco, bem entendido).

O fato de Lícia Manzo ser uma mulher é o grande diferencial. Não há dúvidas de que Manoel Carlos criou excelentes personagens femininas, mas seu olhar como criador é masculino. Já Lícia leva às telas um universo na qual ela tem vivência. Com isso, a trama de Rebeca parece mais real, mais reconhecível. E, talvez por isso também, ela choque o espectador mais conservador, que não está muito acostumado com isso.

Ou seja, fazia falta uma mulher no time tão restrito e masculino dos autores de novela das nove da Globo. Gloria Perez, que foi a única por anos, tem seu próprio estilo, que foge um pouco destes dramas mais cotidianos. Manuela Dias, outra estreante do horário, partiu mais para o thriler policial com doses de humanidade em Amor de Mãe.

Ou seja, caberá à Lícia Manzo levar estas discussões mais íntimas e pessoais femininas à sala de estar do brasileiro. Com Rebeca, a autora começou muito bem.

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

Leia outros textos do colunista AQUI

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade