Fernanda Montenegro desabafa “Todos nós temos um lado demoníaco. Ninguém é bonzinho”

Publicado em 03/04/2015

Quando fui convidado pelo querido Neuber Fischer, para ser colunista do Observatório da Televisão, me perguntei: ‘quem será a estrela principal dessa primeira postagem?’. Pensei, pensei e acabei escolhendo a primeira dama da TV brasileira: Fernanda Montenegro. Literalmente uma dama de nossa dramaturgia. Recentemente eu conversei com a estrela e ela falou sobre tudo: moda, preconceito e plástica. Espero que gostem. Até breve…

Polêmica em Babilônia

“Por exemplo, amor de velhas: terceira, quarta e quinta idades, recuperação de leprosos. Tem muita zona de discussão. Eu sou de um tempo em que a maior desgraça que podia acontecer a um ser humano era ser tuberculoso. Era um pânico, porque praticamente era como a AIDS. Então, tem milhões de zonas escuras do ser humano de defesas e de fragilidades, ou de visão frágil a respeito de outros que têm suas opções e suas vidas em canais entre aspas acadêmicos”.

Preconceito

“Se eu, alguma vez, sofri algum preconceito na vida, tive bastante capacidade de raciocínio para acabar. Porque tudo é tão forte em torno, que acaba passando pela sua cabeça, mas o problema é você não dar chance, não dar voz e se autopropor de sanar aquilo ali mesmo. Porque as interferências preconceituosas são tão fortes em cima de você, que isso pode te passar pela cabeça, mas você não dá voz, não desenvolve, não dá trama. Se você não der importância, não levar adiante, isso acaba. Agora, você tem que ter consciência da sua vida, de saber o que você quer da vida”.

Beleza na terceira idade

“Olha a que ponto nós chegamos (risos). Eu me cuido: tomo banho – às vezes, dois por dia, vou ao dentista, faço os meus exames semestrais, procuro não me entupir de comida. Já comi muito, mas hoje como menos, até porque velho tem menos apetite. Enfim, é viver. Porque tem uma grande terapia ocupacional que é a minha profissão, que eu amo e faço isso a vida inteira. Não fico em casa sentada, esperando”.

Nada de plástica

“Não. Vou te contar. Há 40 anos, eu já tinha essas bolsas debaixo dos olhos (mostra as bolsas sob os olhos), tirei e elas voltaram. Então, eu disse: agora, vão ficar aí mesmo. Mexi, porque todo mundo disse para fazer. Pra que? Elas voltaram, maiores ainda. Então, deixa como está”.

Exercícios

“Eu sou de organismo magro. Deus me deu esse negócio, trabalho muito, sou ágil. Mas também não é só velho que tem os seus achaques. Todo mundo pode ter as suas impossibilidades físicas, as vezes, até adultos ou crianças”.

Livre-arbítrio

“Todos nós temos um lado demoníaco. Ninguém é bonzinho. Então, você tem o livre arbítrio e a consciência para saber o que você guarda e o que você joga fora. Agora, se você cultua o seu lado demoníaco – e tem até o direito – mas, depende da opção de cada um. Porque, me parece, que tudo é uma opção”.

Personagem

“Ela é uma mulher consciente, em primeiro lugar, mas não é uma consciência fria, didática e expositiva. Ela é rica porque vem pelo coração. Não é do cérebro para o coração, é porque sente que vai ao cérebro. É um caminho diferente. Eu preferi fazer essa personagem assim: ela sente, reflete e propõe. Não é porque pensou primeiro, se organizou para chegar lá. Não. Ela emanta de um sentimento pleno, de uma codificação de exposição do seu sentimento, e age através disso, com todo mundo. Porque a filha da minha companheira é uma bandida, que vai fazendo a vida da forma dela”.

Reencontro com Nathalia Timberg

“Isso tudo também é interessante porque eu e Nathalia temos a mesma idade, a mesma experiência profissional, uma mesma formação, que veio através de uma dramaturgia de primeiríssima qualidade, do teatro. Somos, antes de mais nada, vocacionalmente definidas como mulheres de teatro, tivemos pela vida encontros com grandes atores do Brasil, com extraordinários diretores estrangeiros que nos formaram, que nos educaram, nos prepararam culturalmente. Então, com tudo isso, meu encontro com a Nathalia não é um encontro de duas atrizes de alguma idade que se encontram para fazer um papel. Quando o Gilberto nos escolheu – e eu o conheço há 50 anos, como a Nathalia – é porque ele foi crítico de teatro e nos viu algumas vezes no palco. Já fizemos duas ou três novelas, juntas pela vida afora, 10 anos de teleteatro na Rádio Tupi. Então, estamos nos encontrando em um canal que temos na vida”.

Convite de Gilberto Braga

“Eu fiquei muito feliz. Já que tem papel de gays, estava na hora de fazer algo que acontece. Mostrar que não é só na descoberta da sexualidade, aquela coisa vai ou não casar, vai ou não ter beijo, vai ou não ter língua. Já teve de tudo. E a vida foi juntando, selando e casando. É um casal que vai no papel. Talvez os hetéros estejam se separando aos montes, mas os gays estão se casando aos montes. Porque é uma atitude de confirmação religiosa, muitas vezes, e civil de que se reconhece o homossexual formando um par na vida e, melhor, uma família”.

Discursão do público

“É mais uma demonstração, em primeiro lugar, de que existem esses pares na vida. E eles não estão ali porque acordaram e decidiram. Não! Há uma necessidade intrínseca de uma pessoa do mesmo sexo para formar uma vida. Você vai batendo na bigorna e o ferro vai tomando forma. É assim que eu vejo o trabalho que a televisão e o teatro vem fazendo neste sentido”.

Nova geração

“É muito gostoso o encontro dos atores. Essa troca de experiência é sempre muito confortante. Eu adoro! É algo comovente estar ao lado de um ator/atriz que está ali começando a carreira. Sempre tento dar algumas dicas. Trocar é sempre bom”.

Selfie

“Selfie é um horror, um terror! Esse novo modo de fotografar é uma invasão insultuosa. É em tal número, de maneira vulgar, invasora. E, as pessoas vêm em bando. O que elas vão fazer com isso? A selfie é bem pior que o paparazzo. Quando você não quer fazer, eles ficam danados. Um dia desses, fui ao banheiro do aeroporto e tinha gente querendo bater selfie comigo. Já se viu? Até um tempo atrás, eu me submetia. Agora, eu não me submeto mais. Às vezes, tem gente que vem fazendo chantagem com criança: ‘ele quer tirar um selfie’. O garoto não quer fotografar coisa nenhuma. Isso é uma idiotice. Acho, que em breve, irão cansar. Espero em Deus! Espero que seja uma fase”.

Projetos

“Por causa da novela vou ficar longe de tudo. Mas, tenho um espetáculo pronto. Que devo apresentar em 2016. Em 2014, eu fiz muita coisa. Gravei vários filmes e voltei com ‘Doce de Mãe’, um projeto que gosto muito”.

Violência e corrupção

“Em 2015 eu quero saúde! E, quero que a corrupção acabe logo. Essa roubalheira tem me deixa muito triste. Tenho certeza que 2015 será um ano de mudança em todos os campos. Tenho andado com medo. A violência esta terrível. Hoje em dia, estamos colocando cercas na gente e não só nos prédios”.

Sem conexão

“Não sou uma pessoa conectada. Não sei nada de internet. Sou uma mulher da idade media em relação à internet. Eu tenho uma pessoa que faz isso pra mim. Só sei pensar através da minha mão. Escrevo e alguém copia aquilo e passa para quem quiser. Eu não tenho paciência para sentar e ver essas coisas. Eu trabalho muito ainda. Espero a Deus que isso demore bastante (risos). Eu sou um ser arcaico. Sou mais do lápis. A ideia sai do coração para a mão. Simples, assim!”.

André RomanoPor André Romano
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